As Melhores Práticas na Recuperação Judicial – para Magistrados e Administradores Judiciais

05/08/2020

Por: Daniel Carnio Costa – Juiz da 1ª Vara de Recuperações Judiciais e Falências de São Paulo, Doutor pela PUC/SP e pós-doutor pela Universidade de Paris – Panthéon Sorbonne; e Alexandre Nasser de Melo – Advogado e Administrador Judicial, Graduado pela PUC/PR e pós-graduado em Direito Empresarial.

Publicação:
Publicado no Vol. 3 do International Journal of Insolvency Law, com o tema “Manual of Good Practices for Judicial Reorganization, em 2019.” Acesso através do site ojs.imodev.org

RESUMO

O presente artigo tem por escopo analisar as melhores práticas a serem adotadas pelos agentes que atuam nos processos de Recuperação Judicial, principalmente Magistrados e Administradores Judiciais.

Para isso são analisados os reflexos das atividades conjuntas desses profissionais no âmbito da Recuperação Judicial, fazendo uma explanação acerca das obrigações, dos poderes e dos deveres desses agentes.

Por fim, será objeto desse trabalho a demonstração das diversas dificuldades procedimentais encontradas durante o desenrolar desses processos judiciais, bem como propor formas de atuação conjunta entre Administrador Judicial, Magistrado, Credores e Recuperandas, para que esses obstáculos possam ser solucionados de forma célere e efetiva, conduzindo as Recuperações Judiciais ao sucesso – ou à convolação em falência em tempo adequado – e evitando assim maiores prejuízos sociais.

1 – Atuação do Magistrado

Por se tratar de um rito especial, regido em lei específica, exige-se dos Magistrados especial atenção aos casos complexos de Recuperação Judicial, notadamente nas Comarcas onde não há vara especializada no tema.

Isso ocorre porque, muitas vezes, os processos de Recuperação Judicial envolvem interesses de grande quantidade de credores, demandam apurada verificação contábil/financeira e possuem elevada relevância social e econômica. Além disso, envolve diversos profissionais auxiliares da justiça, tais como Administradores Judiciais, peritos, contadores do juízo, leiloeiros e avaliadores. Esse agregado de características singulares exige do Magistrado, além de conhecimento teórico, considerável experiência prática. No entanto, a realidade é que os processos de Recuperação Judicial ainda são esporádicos dentro do cotidiano da magistratura, dificultando, ao juiz não especializado, o aprofundamento no tema, que possui procedimento próprio com inúmeras especificidades.

Objetivando auxiliar o Magistrado na condução do processo de Recuperação Judicial, apresentar-se-á, a seguir, um conjunto de providências básicas que poderão ser tomadas por esse profissional.

1.1 Atuação do Magistrado na Recuperação Judicial

Embora o art. 47 da Lei n° 11.101/2005 tenha definido os objetivos do procedimento recuperacional (preservação da empresa viável; função social da empresa; estímulo à atividade econômica; manutenção de postos de emprego e tutela do interesse dos credores e da coletividade), a norma não dispôs de maneira textual quais são os limites das atividades dos atores jurídicos envolvidos no procedimento recuperacional.

Para que se possa delimitar a atuação do Magistrado nesse procedimento, faz-se mister realizar interpretação sistêmica das normas, princípios e disposições da Lei n° 11.101/2005, entre si e com as demais normas jurídicas que se correlacionam durante o desenrolar do procedimento.

O primeiro ponto de complexidade a ser enfrentado pelos Magistrados nos processos de Recuperação Judicial reside justamente na decisão que analisa o eventual deferimento do processamento do pedido de Recuperação Judicial. Embora possa parecer singela, essa questão é uma das mais relevantes e debatidas no atual cenário do direito empresarial brasileiro, seja pela doutrina, seja pela jurisprudência dos Tribunais. Nesse espectro, transcendem as seguintes questões: – Qual deve ser o padrão de análise dos documentos que instruem a petição inicial, a fim de se deferir o início do processo recuperacional? – Bastaria uma análise meramente formal da presença dos documentos exigidos por Lei ou verificação material de conformidade desses documentos se faz impositiva?

Confluindo respostas a essas perguntas, surge a tão debatida prática da perícia prévia, analisada a seguir.

1.2 Perícia Prévia

A perícia prévia consiste em uma constatação informal determinada pelo Magistrado antes da decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial, com a finalidade de averiguar a regularidade da documentação técnica que acompanha a petição inicial, bem como as reais condições de funcionamento da empresa requerente, de modo a conferir ao Magistrado as condições mais adequadas para decidir sobre o deferimento ou não do início do processo de recuperação judicial.

Sabe-se que a capacidade da empresa em crise em gerar empregos e renda, circular produtos, serviços, riquezas e recolher tributos é pressuposto lógico do processo de recuperação judicial. Sendo assim, a identificação da real condição dessa empresa é essencial para a correta aplicação do remédio legal.

Note-se que a aplicação incorreta da ferramenta legal do sistema de insolvência empresarial pode gerar prejuízos sociais gravíssimos, seja pelo encerramento de atividades viáveis – com a perda dos potenciais empregos, tributos e riquezas que ela poderia gerar, seja pela manutenção artificial do funcionamento de empresas inviáveis – que não geram os benefícios econômicos e sociais em prejuízo do interesse da sociedade e do bom funcionamento da economia.

Ora, haveria sentido iniciar um processo de recuperação judicial, impondo aos credores e à sociedade, como um todo, os pesados ônus da recuperação da empresa (renegociação dos créditos, alteração das condições originais dos negócios firmados com a devedora e suspensão das ações e execuções já ajuizadas contra a devedora) se, desde logo, já se pudesse verificar que a empresa devedora não propicia os benefícios que a Lei busca preservar através da aplicação da recuperação judicial? Seria justo impor aos credores esses ônus se não haverá uma contraprestação de interesse social/público que corresponda àquele sacrifício imposto aos credores?

Eis, portanto, a importância da perícia prévia. Quando bem produzida, ela ampliará a visão do Magistrado sobre a factibilidade do processamento da Recuperação Judicial.

Muito embora a aplicação da perícia prévia não esteja expressamente prevista em dispositivo legal, a interpretação adequada do art. 52, “caput”, da Lei 11.101/05, que se faz com aplicação da teoria hermenêutica da superação do dualismo pendular, autoriza inequivocamente a sua aplicação. Esse art. 52 afirma que, estando em termos da documentação exigida no art. 51 da mesma lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial.

Todavia, como interpretar a expressão legal “estando em termos a documentação“? Seria melhor fazer uma análise meramente formal dos documentos ou exigir que os documentos, além de completos, sejam consistentes?

Segundo a superação do dualismo pendular, a melhor interpretação da lei, não seria a de proteger os polos da relação de direito material (credor ou devedor), mas sim aquela que permite, ao interprete, garantir a efetividade do sistema dentro do qual se inserem as relações de direito material envolvidas no processo. Não se trata, portanto, de defender devedor ou credor, mas sim de garantir que o sistema de insolvência (Recuperação Judicial) atinja, de forma eficaz, os seus objetivos.

Sendo assim, entende-se que a expressão legal “estando em termos a documentação” visa impor ao juiz uma verificação do conteúdo dos documentos, de modo a analisar a consistência da referida documentação e sua correspondência com a realidade fática da empresa. Essa é a interpretação que melhor garante as finalidades do sistema recuperacional.

A utilização da perícia prévia nos processos de Recuperação Judicial assenta base legal prévia no art. 189 da Lei 11.101/05 (aplicação do Código de Processo Civil subsidiariamente às recuperações judiciais). Em sequência, agrupa os art. 156 (o juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico) e art. 481 (o juiz pode, de ofício, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas para esclarecer fato que interesse à decisão da causa, podendo ser assistido por perito), ambos do Código de Processo Civil, para efetivar a sua viabilidade legal.

Assim sendo, havendo observada a necessidade de se verificar o teor, a consistência e a completude dos documentos técnicos juntados com a petição inicial, além de sua correspondência com a realidade fática da empresa requerente da recuperação judicial, caberá ao juiz nomear um especialista para fazer a análise substancial dos documentos, bem como a inspeção ou constatação das reais condições de funcionamento da empresa autora – clamando, então, pela perícia prévia. Isso se impõe como necessário para que o juiz tenha condições de deferir ou não o processamento do pedido de recuperação judicial.

Vale observar, contudo, que a perícia prévia não é propriamente uma perícia, nem puramente uma inspeção judicial. Trata-se, porém, de uma figura híbrida, que tem natureza de constatação preliminar e informal realizada por pessoa com conhecimento técnico a fim de municiar o juiz com os conhecimentos necessários para que garanta a correta aplicação do instituto da recuperação judicial.

Acerca do processamento da perícia, tem-se que, após nomeado o perito[1], os trabalhos deverão ser concluídos no prazo máximo de 5 dias. Tal prazo, aparentemente exíguo para realização da perícia prévia se impõe em razão da própria eficiência da recuperação judicial.

Uma vez que a notícia da distribuição do pedido de recuperação judicial é pública, os credores têm acesso à informação do ajuizamento do pedido, mas, a proteção do stay period somente tem início, no sistema brasileiro, a partir da decisão que defere o processamento do pedido. Portanto, o juiz não pode demorar tempo exagerado para decidir sobre o processamento do pedido, sob pena de submeter a devedora a um ataque impiedoso dos credores contra o seu patrimônio.

Muito embora seja fundamental para esclarecer ao Magistrado pontos importantíssimos nos quais ele fundamentará sua decisão pelo processamento ou não do processo de Recuperação Judicial, a análise acerca da viabilidade do negócio exercido pela empresa não é objeto da perícia prévia. Primeiro porque é impossível atestar essa viabilidade em tão pouco tempo e em fase tão incipiente do processo. Ademais, tem-se que a viabilidade do negócio (i) depende de diversos fatores que escapam a análise do juízo nesse momento preliminar, (ii) é uma decisão que cabe ao mercado, e (iii) são os credores que deverão acreditar na atividade empresarial em crise e na importância de sua manutenção. Assim, não pode o juiz substituir os credores na decisão sobre a viabilidade econômica da empresa.

A perícia prévia, portanto, deve analisar apenas a capacidade da empresa em gerar empregos, tributos, produtos, serviços e riquezas. É suficiente a constatação de que a empresa – pretensa recuperanda – existe realmente e que possui empregados, clientes e contratos.

Nesse sentido, toma-se por base a experiência prática da 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo. Nela, observa-se a efetividade da perícia prévia em revelar quatro situações distintas: a) a inexistência de qualquer atividade empresarial; b) irregularidade ou incompletude documental; c) fraudes; d) incompetência funcional do juízo.

Demonstrando, a perícia prévia, que a atividade empresarial realmente não existe, a petição inicial deve ser indeferida e o processo deve ser extinto sem resolução de mérito, por falta de interesse processual na modalidade adequação. Isso porque a recuperação judicial não é a ferramenta judicial adequada para uma empresa em crise estrutural e que não pode ser superada.

No caso de constatação de que os documentos apresentados pela devedora estão incompletos ou irregulares, deverá o juiz deferir um prazo para que a petição inicial seja emendada. Regularizada a documentação, o juiz deferirá o processamento do pedido, iniciando-se o processo de recuperação judicial. Do contrário, o juiz deve indeferir a petição inicial e julgar extinto o processo sem resolução mérito com fundamento no art. 321 e parágrafo único do Código de Processo Civil.

Na hipótese de constatação de fraude, tem-se situação semelhante à de inexistência de atividade empresarial. Não deve o juiz permitir que o processo seja utilizado para outras finalidades que não aquelas previstas no sistema de insolvência empresarial. Haverá, portanto, falta de interesse processual, sendo impositiva a extinção do feito sem resolução do mérito. Porém, nesse caso, o juiz deverá encaminhar cópia dos autos ao Ministério Público, para finalidades criminais eventualmente cabíveis. Vale destacar que se o fraudador tentar repropor o pedido, não haverá livre distribuição, pois, de acordo com o art. 286, II, do CPC, a repetição da mesma ação deve ser encaminha ao mesmo juízo.

A perícia prévia poderá, ainda, constatar que o processo de recuperação judicial foi distribuído em juízo no qual não se encontra o principal estabelecimento da devedora. Quando assim observado, o processo deverá ser redistribuído ao juízo funcionalmente competente.

A jurisprudência vem acolhendo amplamente a possibilidade da perícia prévia. Existem importantes precedentes no Tribunal de Justiça de São Paulo (Agravos de Instrumento n. 2008754-72.2015.8.26.0000; n. 0194436-42.2012.8.26.000045 e n. 2058626- 90.2014.8.26.00004), do Tribunal de Justiça de Santa Cataria (Agravo de Instrumento n. 4005558-80.2016) e do Tribunal de Justiça do Paraná (Agravo de Instrumento n. 0000745-65.2017), dentre outros.

Por fim, os estudos apresentados pelo núcleo de pesquisa da PUC/SP denominado “Observatório da Insolvência” evidenciaram que a perícia prévia representa, na verdade, uma providência segura de acesso à ordem jurídica justa. Isso porque o acesso à Justiça, garantido pela Constituição Federal, não se traduz simplesmente no direito de ajuizar uma ação, mas sim na garantia do resultado útil do processo judicial. As empresas em crise, mas que são viáveis, devem ter assegurado o direito ao resultado útil do processo de recuperação judicial, com a preservação da atividade e de todos os seus benefícios econômicos e sociais.

1.3 Exame de Legalidade do Plano de Recuperação Judicial

É válido, no âmbito do sistema recuperacional brasileiro, deduzir que a análise econômica do Plano de Recuperação é de competência exclusiva da Assembleia Geral de Credores, que tem soberania de decisão no processo de Recuperação Judicial.

Entretanto, esta seria a interpretação mais simples e não analítica da legislação posta à lumen, pois existem casos de aprovação, pela Assembleia Geral de Credores, de Plano de Recuperação flagrantemente ilegal, bem como de não aprovação de Plano de Recuperação revestido de todos os pressupostos legais, cuja decisão de rejeição está motivada pelo interesse de um ou mais credores com expressivo poder de voto.

Cabe ao Magistrado, portanto, verificar esse tipo de ocorrência com redobrada atenção, visto que os princípios norteadores do procedimento recuperacional devem ser respeitados, até mesmo pela Assembleia Geral de Credores, que não pode se esquivar do cumprimento das normas de direito público cogentes, denominadas no sistema brasileiro, como normas de ordem pública.

Parte da doutrina defende que a soberania da Assembleia de Credores possui diversos limites, alguns deles relacionados à necessidade de tutelar, também, o interesse público, notadamente através da tutela da função social da atividade empresária. Tal corrente entende a Recuperação Judicial como sendo dispositivo de Direito Público, resultando, assim, em um elastecimento da competência originária do Magistrado, permitindo-lhe aplicar diversos institutos de Direito ex officio – sem que tenha que ser provocado por alguma das partes da relação processual.

O sistema jurídico brasileiro confere atenção especial às normas que têm por fim o exercício da tutela do interesse público ante ao interesse privado, o que dificulta a consecução dos interesses particulares e reduz a álea de atuação dos particulares, prestando-se a tentar garantir a consecução de interesses coletivos.

Neste sentido, Eduardo Secchi MUNHOZ leciona:

“Daí se afirmar que o direito falimentar – ou da empresa em crise – corresponde a um dos ramos do direito empresarial em que se evidencia com maior nitidez a função social da empresa, ou a necessidade de contemplar todos os interesses afetados, que não se resumem aos interesses do empresário. Os interesses externos, no momento da crise da empresa, passam ao primeiro plano, ao lado dos internos. A primeira diretriz a ser seguida, portanto, é que, além dos interesses do devedor e dos credores, o direito da empresa em crise deve buscar uma organização eficiente de todos os demais interesses, centrando-se na busca da concretização do interesse público (na acepção romana, ou seja, de interesse do povo), expresso nos princípios e objetivos da ordem econômica estabelecidos no art. 170 da CF/1988. Em uma palavra, parte-se do pressuposto de que o direito da empresa em crise constitui um importante instrumento de implementação de políticas públicas, constituindo um dos capítulos da política econômica. [2]

Referindo-se a este respeito, Jorge LOBO assevera que:

“(…) pois a LRE garante ao devedor, preenchidos os requisitos formais do art. 51 e os seus requisitos materiais do art. 48, propor ação de recuperação judicial; afirmam, com ênfase, que, se a recuperação judicial se efetiva e se implementa através de uma ação processual de natureza constitutiva, ela é um instituto de Direito Público, na linha preconizada pela doutrina italiana sobre a ‘administração controlada’, a ‘administração extraordinária’, e a ‘liquidação coacta administrativa”. [3]

Outra parte da Doutrina entende que a Recuperação Judicial possui caráter de Direito Econômico, pois, nos dizeres de Jorge LOBO:

“Embora ‘ato complexo’ e ‘ação constitutiva’, a recuperação judicial tem a natureza e características de um instituto de Direito Econômico, como passo a demonstrar. Filio-me à doutrina, liderada no País, por Olando Gomes, que sustenta (a) estar o Direito Econômico situado numa zona intermediária entre o Direito Público e o Direito Privado, (b) possuir uma tríplice unidade: ‘de espírito, de objeto e de método’ e (c) não orientar-se a regra de direito pela ideia de justiça (princípio da igualdade), mas pela ideia de eficácia técnica devido à especial natureza da tutela jurídica que dela emerge, em que prevalecem os interesses gerais e coletivos, públicos e sociais, que ela colima preservar e atender prioritariamente, daí o caráter publicístico de suas normas, que se materializam através de ‘fato do príncipe’, ‘proibições legais’ e ‘regras excepcionais’. Com efeito, a recuperação judicial de empresa é um instituto de Direito Econômico, porque suas regras não visam precipuamente realizar a ideia de justiça, mas sobretudo criar condições e impor medidas que propiciem às empresas em estado de crise econômica se reestruturares, ainda que com parcial sacrifício de seus credores (…).”[4]

Neste mesmo sentido entende Sérgio CAMPINHO:

“Por isso, em nossa visão, o instituto da recuperação judicial deve ser visto como a natureza de um contrato judicial com feição novativa, realizável através de um plano de recuperação, obedecidas, por parte do devedor, determinação condições de ordens objetiva e subjetiva para sua implementação”. [5]

A lição de CAMPINHO evidencia o fato de que, a Recuperação Judicial possui, a priori, caráter de negócio jurídico inter partes, que é realizado dentro de um processo judicial, com a consequente fiscalização por parte do Poder Judiciário e do Parquet.

Tal entendimento decorre do fato de que o Plano de Recuperação é apresentado pelo devedor aos seus credores que, podem, ou não, em Assembleia, aprova-lo, constituindo, como assevera CAMPINHO, um negócio jurídico com evidente “feição novativa”, qual seja, capaz de criar novação, alteração ou modificação dos negócios jurídicos pretéritos havidos pela devedora.

O posicionamento da Ministra Nancy Andrighi, no julgamento de Recurso Especial, destaca a necessidade de atendimento dos requisitos de validade formais:

“A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validades dos atos jurídicos em geral, requisitos estes que estão sujeitos a controle judicial”. [6]

Seja a Recuperação Judicial compreendida como instituto de Direito Público, seja compreendida como instituto de Direito Privado ou Econômico, é inconcusso que todas as partes da relação processual devem agir norteadas e motivadas pelo mais puro espírito legalista, sem se afastar do cumprimento implacável das normas existentes e válidas na jurisdição brasileira. Sendo assim, todas as partes envolvidas no processo de Recuperação Judicial têm que, necessariamente, utilizar o princípio da legalidade como condutor de seu agir.

É por esse motivo que ao Magistrado compete a função de análise da legalidade do Plano de Recuperação Judicial. Para facilitar o citado controle de legalidade do plano, a análise deve ser efetivada em quatro fases, em roteiro denominado de critério tetrafásico, que se presta a auxiliar o Magistrado a exercer tal controle de maneira sistemática e completa.

1.3.1 Critério Tetrafásico de Controle de Legalidade do Plano de Recuperação

A LRF outorgou grande poder de participação aos credores, tais como a possibilidade de habilitar seus créditos, impugná-los, apresentar objeções ao Plano de Recuperação, além do mais clássico dos poderes concedido aos credores, que é o poder de voto na Assembleia de Credores.

Entretanto, embora a jurisprudência brasileira seja remansosa no que concerne ao poder dos credores, cabe ao Poder Judiciário efetivar o controle de legalidade (i) da decisão dos credores e (ii) do plano de recuperação judicial em si.

E, mais uma vez, a LRF é silente no que se refere ao limite destes controles que devem necessariamente ser exercidos pelo Magistrado.

Visando delimitar um conceito prático que permita aos Magistrados exercerem o controle de legalidade do plano recuperacional sem que haja confusão entre mérito da decisão dos credores e do efetivo controle de legalidade do plano recuperacional, no âmbito da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo vem sendo aplicado o chamado “critério tetrafásico” que, em resumo, estabelece quatro etapas de diligências a serem tomadas pelo Magistrado no caso concreto e conduzem à análise completa da legalidade do Plano Recuperacional.

Estas quatro fases, distintas entre si, possuem o condão de fazer com que o Magistrado se debruce sobre todos os aspectos relevantes que podem ser objeto de seu controle, de maneira organizada e respeitando os limites da atuação do Magistrado no caso concreto.

A primeira das fases compele o Magistrado a exercer o controle das cláusulas do plano de recuperação judicial, onde, a priori, é realizada verificação que se debruça sobre a possibilidade de algumas das cláusulas do plano afrontarem os dispositivos legais.

A primeira fase é necessária e compulsória, porque, por mais que a decisão dos credores detenha soberania, ela não pode afrontar o ordenamento jurídico vigente, criando obrigações, cominações, taxas, penas ou figuras jurídicas que são vedadas no ordenamento jurídico brasileiro.

Um exemplo comum nos casos concretos é o de existência de cláusula no Plano de Recuperação que preveja a convolação da Recuperação Judicial em falência em caso de descumprimento de determinada obrigação, quando o vencimento desta obrigação se dá depois dos 2 (dois) anos de fiscalização. Isso não pode ocorrer, uma vez que o eventual descumprimento das obrigações da recuperanda são regulados única e tão somente pela Lei nº 11.101/2005, cujos princípios de ordem pública não estão disponíveis para serem alterados pelos particulares, mesmo em Assembleia de Credores [7].

Da mesma maneira, o Plano de Recuperação Judicial aprovado pela Assembleia de Credores não pode instituir diretriz que importe em necessário cometimento de ilícito, como, por exemplo, sonegação de impostos ou exposição de trabalhadores a condições análogas à escravidão.

Realizada esta primeira etapa e sobrevivendo o plano de recuperação a este primeiro controle de legalidade estrito, o julgador deve adentrar na segunda fase do controle tetrafásico. A razão de ser que alicerça a existência da segunda fase é atinente ao caráter jurídico da decisão que é tomada pelos credores na AGC, que, na legislação brasileira, possui caráter inconcusso de negócio jurídico e, sendo negócio jurídico, deve conter todos os critérios intrínsecos e extrínsecos, formais e materiais, que devem estar presentes em um negócio jurídico que possa ser reputado como válido, no todo, ou em parte.

As causas materiais, ou de motivação, que importam na invalidade dos negócios jurídicos estão previstas no Código Civil, o qual possui rol numerus clausus de situações (vícios de consentimento) que ensejam a invalidade do negócio: (i) Erro; (ii) Dolo; (iii) Coação; (iv) Estado de perigo; (v) Simulação; (vi) Fraude contra credores e; (vii) Lesão.

Sendo assim, a segunda fase é aquela em que ocorre a análise das condições negociais do plano de recuperação judicial, em que o Magistrado exerce o controle da higidez da formação da maioria que aprovara, ou não, o Plano de Recuperação.

Para tanto, o Magistrado deve analisar se os credores foram devidamente informados à contento sobre o conteúdo do plano, se foram vítimas de qualquer forma de coação, indução ao erro, enganados, ou se exerceram o direito ao voto através de vontade viciada por eventual estado de perigo, fraude ou simulação.

Também é nesta fase que o Magistrado deve verificar a ocorrência de simulação entre credores, ou grupo deles com a devedora, para o fim de aprovação do plano, bem como de eventuais condutas que possam ser reputadas como fraudulentas e que visem a garantir a aprovação do Plano de Recuperação, em detrimento dos demais credores [8].

No sistema jurídico privado brasileiro, o negócio jurídico é analisado não somente pela palavra escrita das partes, pelo pacto formal, mas também deve se levar em consideração inúmeros aspectos além da formalidade escrita, como a própria motivação negocial e até mesmo a prática das partes em outros negócios jurídicos pretéritos. As cláusulas dos pactos firmados entre as partes devem, ainda, ser analisadas sob o enfoque da boa-fé (objetiva e subjetiva), bem como levando em consideração a função social que deve ser observada nos negócios particulares.

No sistema brasileiro estas limitações e parâmetros utilizados na exegese das avenças particulares servem para evitar que atos jurídicos particulares possuam o condão de gerar resultados negativos para a coletividade, mais uma vez demonstrando a peculiar atenção outorgada pelo Poder Legislativo em sobrepor o interesse coletivo ao interesse particular.

Superados os pressupostos para a existência e a validade do negócio jurídico, o Magistrado deve adentrar na terceira fase do controle tretrafásico, que consiste na verificação da legalidade da extensão da decisão tomada pela maioria dos credores na AGC com relação aos credores vencidos ou dissidentes.

A terceira fase consiste em verificar, à minúcia, se, embora não exista ilegalidade na decisão soberana da AGC, nem vício no negócio jurídico, seja de consentimento ou motivação, formal ou material, a aplicação da decisão irá infligir, reflexamente, em ofensa à norma de ordem pública. Ou seja, não basta verificar a legalidade e a higidez da decisão tomada na AGC, deve-se verificar, sobretudo, se a aplicação desta decisão irá constituir alguma eventual violação à norma de ordem pública e, portanto, cognoscível ex officio pelo julgador.

Um exemplo é quando ocorre a aprovação do plano pela maioria dos credores, estabelecendo em uma de suas cláusulas que a novação da obrigação se aplica tanto ao credor principal, quanto ao coobrigado ou avalista. Como o crédito é um direito disponível, não existe qualquer impedimento legal para que o credor concorde em perdoar a dívida do credor principal e dos coobrigados e avalistas.

Todavia deve ser observado que isso se aplica exclusivamente aos credores que efetivamente aprovaram o plano, ficando, os credores dissidentes, resguardados pela Lei (art. 49, p. 1º, da Lei 11.101/05), para preservar seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados em regresso[9].

A quarta e derradeira fase do controle tetrafásico ocorre com o controle referente à eventual abusividade realizada por um ou mais de um credor no exercício do direito de voto, que deve ser utilizado única e exclusivamente de maneira estritamente compatível com o seu próprio direito.

Novamente, a motivação, ou seja, a literal vontade da parte, está atrelada à validade de seu voto.

No sistema recuperacional brasileiro o poder de voto está interligado ao valor do crédito do credor perante a recuperanda, resultando em situações em que um único ou um grupo de credores possuem elevado poder de voto, fazendo com que exista prejuízo dos demais credores, da Recuperanda ou da coletividade.

A despeito da soberania da decisão tomada pelos credores na Assembleia Geral de Credores, esta decisão deve estar em consonância com a Função Social do instituto da Recuperação Judicial. Embora o credor possa exercer seu direito de voto em consonância com seus interesses particulares, como não poderia deixar de ser, sua decisão não pode criar um óbice que seja intransponível ou que inviabilize o atingimento dos princípios norteadores do instituto, atinentes à Função Social e Pública da Recuperação Judicial.

Um credor, a princípio, pode se recusar a negociar com o devedor, exigindo o adimplemento integral da obrigação. Entretanto, caso o seu voto seja decisivo para a aprovação ou não do Plano de Recuperação, o voto, de fato, poderá gerar o encerramento de uma atividade empresarial viável, com o desaparecimento de todos os benefícios dela oriundos.

Neste caso, o credor não possui o direito de opor a sua vontade em detrimento dos credores, da empresa e da coletividade.

Na Recuperação Judicial o risco de ocorrência desta categoria de vício é acentuado, visto que um ou alguns credores podem possuir alto grau de dominância em suas respectivas classes.

Por fim, é importante salientar que o controle tetrafásico mantém a soberania dos credores no que toca o mérito do plano recuperacional. Essa verificação não se atém à decisão dos credores sobre a estratégia de mercado a ser utilizada para atingir a recuperação da empresa, entretanto, mantém controle estrito de legalidade das disposições atingidas na Assembleia Geral de Credores, bem como norteia o procedimento recuperacional ao atingimento dos interesses social e público, seus objetivos basilares, ante o interesse particular dos credores.

1.4 – A gestão democrática de processos.

Os processos de insolvência empresarial são peculiares e complexos, na medida em que congregam interesses diversos de centenas ou milhares de pessoas, impondo ao Magistrado a necessidade de julgar inúmeras questões simultaneamente e que necessariamente devem estar resolvidas em tempo economicamente útil, sob pena de resultar ineficaz ao final. O grande desafio imposto ao Magistrado, portanto, é gerir esse processo de modo a decidir todas as questões em tempo útil, sem prejuízo de oferecer a todos os interessados o direito ao contraditório e a ampla defesa.

É nesse contexto que surge a gestão democrática de processos como técnica alterativa de condução de processos de insolvência, com foco na otimização de seu resultado.

É possível melhorar a gestão processual independentemente da existência de investimentos adicionais ou da mudança da legislação aplicável. Basta que exista uma mudança de postura e de mentalidade dos aplicadores do direito, principalmente dos juízes, enquanto responsáveis pela condução/gestão do processo.

Coloca-se em relevo, nesse diapasão, a definição de case management advinda do serviço de saúde dos EUA. Segundo definição apresentada pela Case Management Society of America (CMSA), case management is a collaborative process of assessment, planning, facilitation, care coordination, evaluation, and advocacy for options and services to meet an individual’s and family’s comprehensive health needs through communication and available resources to promote quality, cost-effective outcomes[10]. Em tradução livre, pode-se afirmar que a gestão de casos é um processo colaborativo de análise, planejamento, facilitação, coordenação de cuidados, avaliação e advocacia de opções e serviços para atingir as necessidades de saúde individuais e familiares através da comunicação e fontes disponíveis para promoção da qualidade e resultados de bom custo benefício.

O objetivo da aplicação do case management nos serviços de saúde dos EUA é otimizar os recursos de saúde, favorecendo a manutenção da saúde e da satisfação do indivíduo e, ao mesmo tempo, racionalizando os recursos que serão dispendidos pelas operadoras de saúde. A premissa é otimizar o custo/benefício desse tipo de serviço, com vantagens para todos os envolvidos nesse tipo de processo. O indivíduo terá melhor orientação de saúde ao mesmo tempo em que as operadoras de saúde demandarão menos recursos para cuidar da saúde desse indivíduo.

Essa ideia de case management, oriunda do setor de saúde, no qual se busca analisar de forma individualizada as necessidades específicas do caso a fim de se atingir melhores resultados com os menores recursos possíveis, pode e deve ser transportada para a gestão de processos judiciais.

Referida experiência, aliás, já vem sendo utilizada, também, no sistema judicial dos EUA, onde já se conhece – de longa data – o conceito de judicial case management. Trata-se de uma programação de procedimentos envolvendo determinada matéria a ser julgada. Cada estágio do processo judicial é analisado conforme o caso concreto, devendo o Magistrado estabelecer todo o roteiro de atuação para que sejam observados todos os pontos relevantes levados a julgamento, sempre com vistas a conferir um julgamento mais rápido e eficaz, diminuindo-se, portanto, o custo do processo e potencializando-se a satisfação do jurisdicionado com o serviço da Justiça. Pode o Magistrado designar audiências, chamadas de CMC (Case Management Conference), cujo principal objetivo é determinar os passos para o julgamento das matérias apresentadas ao juízo, observadas as necessidades específicas do caso concreto[11].

No direito comparado, especialmente em casos de falências e recuperação judicial de empresas, tem-se também a Section 105 do US Bankruptcy Code. Trata-se de artigo do Código de Falências dos EUA que concede ao juiz poderes para suplementar as disposições legais tomando decisões e providências que não têm expressa previsão no texto da lei. Nesse sentido, o juiz de falências está autorizado a determinar qualquer providência que seja necessária para a realização dos objetivos da lei, conforme o caso concreto[12].

O juiz de falências pode, ainda, de ofício ou a pedido das partes, designar audiências chamadas de status conferences, a qualquer tempo e quantas vezes entender necessário, a fim de acompanhar o desenvolvimento dos casos e determinar a mais rápida, eficaz e econômica condução do processo ao seu resultado final e útil (subsection d.1).

Nos termos dispostos pela Lei de Falências dos EUA , o juiz deve realizar as audiências de gestão (status conferences) sempre que necessário, para alcançar a mais econômica e rápida solução para o processo, estando autorizado a determinar nessas audiências quaisquer medidas, desde que não conflitantes com outras normas legais, que tenham por objetivo garantir a adequada solução para o caso concreto, incluindo a definição de prazos especificamente considerados para o caso em questão.

Portanto, é dever do Magistrado conduzir o processo de insolvência tendo em vista suas peculiaridades próprias, adequando o procedimento aos objetivos pretendidos e tendo sempre em consideração a complexidade de cada situação posta ao julgador, de modo a garantir eficiência, rapidez e economia na solução do processo.

Com base em todas essas ideias do direito comparado e das experiências observadas em outros sistemas, o juízo da 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo iniciou a transposição e a adaptação dessas premissas para a gestão de casos de falência e recuperação judicial. E tal experiência vem mostrando excelentes resultados até mesmo para os casos mais complexos, diminuindo custos, conferindo maior transparência, possibilitando maior acesso das partes e interessados, buscando-se soluções consensuais e atingindo-se um maior índice de acertos nas decisões (no sentido de que as decisões são proferidas com base num maior e mais fiel conjunto de provas trazidas por todos os interessados ao conhecimento judicial).

O método que vem sendo aplicado na 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais é chamado de gestão democrática de processos.

Trata-se de metodologia adequada à condução de processos de insolvência (falências e recuperações judiciais), de cunho nitidamente coletivo, mas também a outros processos coletivos, como ações civis públicas de várias espécies.

Processos de grande complexidade, como é o caso das falências e recuperações judiciais de empresas, necessitam de uma gestão diferente da tradicional, sob pena de não conseguirem dar respostas adequadas às lides postas à julgamento pelo Poder Judiciário.

Processos que tratam de questões empresariais não podem ignorar a realidade da economia, como se o mundo jurídico existisse de forma isolada e desconectada dos demais aspectos da sociedade moderna. O tempo do processo não pode estar dissociado do tempo da realidade negocial, mormente quando se tem em vista processos falimentares e recuperacionais, nos quais o timing negocial/econômico é fundamental para o sucesso da atividade jurisdicional[13].

O objetivo do processo falimentar é arrecadar o patrimônio da empresa falida (todos os seus ativos), avalia-lo e vende-lo, pagando-se o maior número possível de credores em observância à ordem de prioridade legal. A eficiência desse tipo de processo se mede pela otimização dos ativos da empresa falida em prol dos credores beneficiados pelos pagamentos devidos, mas também pela destinação adequada dos recursos arrecadados, tendo em vista a manutenção da fonte produtora, ainda que em poder de outros agentes, preservando-se, assim, os empregos, o recolhimento de tributos, a circulação de bens, produtos e serviços.

O atingimento do melhor resultado em processos falimentares depende, portanto, da agilidade e do acerto decisório no que tange à arrecadação e destinação dos ativos da empresa falida. Não se trata, apenas, de arrecadar formalmente e vender os ativos da falida. Trata-se de definir, no tempo econômico, a melhor destinação desses ativos, em favor do interesse dos credores e também do interesse público e social. Não é por outra razão que a própria Lei de Falências determina que a alienação do ativo deve observar uma ordem de prioridade, preferindo-se a alienação da empresa em bloco ou das unidades produtivas isoladas (que preservam a fonte produtora de riquezas – atividade empresarial – em mãos de novos donos e, ao mesmo tempo, são hábeis a gerar melhores recursos para o pagamento dos credores) do que a alienação dos bens isolados que compunham a empresa falida[14].

As decisões judiciais, portanto, devem ser lançadas em tempo economicamente útil, vez que a demora em casos dessa natureza agrava o prejuízo social e econômico. Além disso, tais decisões, para serem eficazes, devem observar as peculiaridades do caso em questão e as dificuldades inerentes aos ativos individualmente considerados.

A recuperação judicial de empresas também exige extrema agilidade judicial, a fim de que os atos processuais fundamentais ao desenvolvimento do processo ocorram em tempo razoável, viabilizando-se a oportunidade à empresa em crise de efetiva recuperação econômica.

Aplica-se às recuperações judiciais, ainda com mais razão, a exigência de que as decisões judiciais sejam construídas sob medida para as necessidades da empresa em crise, com observância das peculiaridades do mercado e do caso concreto, sob pena de não ser capaz de preservar todos os benefícios sociais e econômicos que decorrem da manutenção da atividade empresarial saudável, quais sejam, a preservação dos empregos, a geração de riquezas, o recolhimento de tributos e a circulação de bens, produtos e serviços de interesse público e social.

Percebe-se, portanto, que o tempo e que a construção de decisões feitas sob medida para o caso concreto, são elementos essenciais para o sucesso desses tipos de processos. E a gestão tradicional de processos, empregada normalmente pelo Poder Judiciário, não dá respostas adequadas e em tempo útil para que seja possível alcançar o sucesso em falências e recuperações judiciais.

No método tradicional de gestão de processos, a colheita das manifestações de todos os interessados, do MP, do administrador judicial e do perito, como pressuposto para a emissão da decisão judicial, é feita através de despachos e petições nos autos. Isso implica numa demora incompatível com a necessidade da realidade da econômica, principalmente porque o serviço judiciário, além de burocrático por natureza, está absolutamente assoberbado de trabalho em carga muito superior a razoável. Daí que o andamento do processo se torna muito lento e seu resultado será, não raras vezes, ineficaz. Enfim, os períodos em que o processo fica paralisado indevidamente em razão da burocracia judiciária interferem de maneira decisiva na efetividade da prestação jurisdicional.

Nesse sentido, não é raro que a decisão judicial seja proferida a destempo, quando já desapareceram o interesse, a utilidade e a oportunidade mais adequada do ponto de vista econômico e negocial para a efetiva prática do ato determinado pelo juízo. E mais: também é comum que a decisão judicial não considere as especificidades do caso concreto, vez que muitos daqueles que teriam condições de levar ao juízo elementos importantíssimos sobre a melhor destinação dos ativos (empregados e parceiros econômicos, por exemplo) não têm a possibilidade de interferir no convencimento judicial, nem participam da construção do processo decisório.

Por exemplo, a decisão de arrecadação de determinado bem deve ser proferida em tempo razoável, sob pena de desaparecimento ou perecimento do bem objeto da arrecadação. Se proferida a destempo, essa decisão não vai gerar efeitos positivos ao processo falimentar, seja pelo desaparecimento do bem ou mesmo pela sua importante desvalorização, em prejuízo dos credores. Pode-se citar, ainda, como outro exemplo, a decisão sobre a venda ou o arrendamento de um ativo da massa falida, que deve ser proferida em consonância com a preservação do valor desse ativo e com o interesse do mercado. O atraso na tomada de decisão poderá representar a perda de uma oportunidade e, dessa forma, a imposição de prejuízo aos interesses dos credores.

Na recuperação judicial, em que se discute quais as melhores estratégias para superação da crise da empresa, qualquer ruído de comunicação ou o atraso na tomada de decisões centrais poderão ser decisivas para o insucesso do processo, perdendo-se a possibilidade de manutenção da atividade empresarial, em prejuízo dos credores e da sociedade em geral.

Propõe-se, assim, um novo modelo de gestão desse tipo de processo, que possibilite conferir ao Magistrado maior agilidade decisória: a gestão democrática de processos.

Os processos de insolvência (falência e recuperação judicial), mesmo tendo em conta a sua evidente complexidade, devem atender aos princípios constitucionais da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88)15 e da eficiência (art. 37, “caput”, da CF/88)[16].

Deve-se garantir aos cidadãos o acesso à ordem jurídica justa, assim entendido o acesso qualificado ao processo; não apenas o acesso ao Poder Judiciário, mas o acesso à solução judicial adequada. Vale dizer, o cidadão tem direito ao processo como instrumento útil da solução dos conflitos e realização efetiva de direitos.

Conforme já afirmado, o tempo de formação da decisão judicial é fundamental em qualquer tipo de processo, mas de importância crucial no caso das falências e recuperações judiciais, de modo que o tempo do processo não esteja dissociado do tempo da realidade ou da economia. As decisões judiciais devem ser proferidas em tempo útil, de modo a atender as necessidades do processo que, por sua vez, são ditadas pelo interesse dos agentes econômicos.

E não só.

Os interesses econômicos e sociais, de maneira geral, também são atingidos pela condução do processo falimentar, já que não se pode conviver com a não utilização de bens e serviços de relevância econômico-social. Deve-se preservar a função social da propriedade inclusive em relação à massa falida, preservando-se os interesses dos credores, mas também da sociedade em geral.

Por isso, dentro do modelo de gestão democrática, as decisões judiciais, notadamente sobre os temas que demandam maior urgência e compatibilidade com o tempo dos agentes econômicos, devem ser tomadas em audiências públicas com a presença de todos os atores processuais interessados nos destinos do processo, vale dizer, do administrador judicial, do perito, do MP e de outros eventuais interessados especificamente nas questões a serem decididas (notadamente os empregados e parceiros comerciais).

Nesse sentido, diante da necessidade de decisão sobre diversos aspectos do processo de insolvência (arrecadação de bens, venda de ativos, avaliação, arrendamentos, dentre outros temas de ocorrência frequente), deve o juiz designar uma audiência com definição da pauta de questões a serem discutidas e decididas. Todos aqueles cujos pareceres sejam necessários para a formação do processo decisório devem ser intimados para comparecer ao ato. Nessa audiência, todas as questões serão discutidas e, se possível, decididas. Assim, a decisão sobre essas questões, que demoraria meses ou anos no modelo tradicional, poderá ser proferida num único dia, respeitando-se a oportunidade de manifestação de todos os interessados.

Além de imprimir maior celeridade ao processo decisório, a Gestão Democrática de Processos apresenta ainda outras vantagens: garante a participação das partes e interessados no processo decisório, induz maior comprometimento de todos os envolvidos, assegura maior transparência à demanda, propicia maior fiscalização sobre o andamento processual e, ainda, franqueia aos interessados o fornecimento ao juízo de informações relevantes e úteis sobre aspectos diversos do processo (como, por exemplo, qual seria a melhor destinação de ativos específicos, dentre outras), colaborando para a maior qualidade da decisão judicial, que será construída sob medida para o caso concreto.

As partes (credores e devedores) e todos os demais interessados nos rumos do processo de insolvência têm participação garantida no processo de formação da decisão judicial. Isso porque todos serão convidados a participar da audiência de gestão democrática na qual serão deliberadas e decididas as questões previamente definidas pelo juízo e que demandam pronta e eficaz decisão. Na audiência, todos poderão trazer elementos importantes para a formação da decisão judicial. Ademais, eventuais discordâncias fundadas poderão ser analisadas de imediato, fazendo com que se possibilite a formação da decisão consensual, com atendimento de todos os interessados. Isso tudo porque todos os interessados estarão presentes, interagindo com o julgador, no momento da formação de sua decisão. É evidente, portanto, que a decisão terá mais elementos de realidade e será mais próxima do que seria o correto, do ponto de vista da utilização dos recursos/ativos envolvidos no processo.

O Magistrado atuará também como mediador dos interesses de todos os envolvidos no processo durante as discussões e deliberações a serem tomadas na audiência de gestão democrática. Assim atuando, será possível o atendimento parcial e/ou total de diversos interesses, com o consenso de todos os presentes. Essa mediação levará a decisões aceitas por todos e, portanto, não sujeitas a recursos. Daí que se acelera a conclusão do processo, que não ficará sujeita ao retardamento decorrente da interposição de recursos durante o curso da demanda.

A gestão democrática induz muito maior transparência na condução do processo. Todos os interessados poderão presenciar a atuação de todos os agentes do procedimento. Credores e devedores, além de outros eventuais interessados, poderão constatar qual é a exata atuação de todos os demais envolvidos, incluindo o Magistrado, o Ministério Público, os advogados das partes, o administrador judicial e os peritos.

O juiz, na audiência de gestão, distribuirá tarefas aos agentes do processo, a fim de que seja possível atingir o resultado mais adequado, rápido e econômico para a solução das questões postas a julgamento. Todos os presentes na audiência terão ciência exata de quais são as responsabilidades assumidas por cada agente. Portanto, o eventual descumprimento da tarefa determinada judicialmente individualizará responsabilidades. Desse modo, será inviável que os agentes do processo se escondam atrás do trabalho, afastando suas responsabilidades, firmes na convicção de que suas falhas individuais jamais serão desnudadas. Nesse sentido, essa forma de gestão do processo induz muito mais comprometimento das partes envolvidas, que não desejarão ver revelada, perante todos, a sua própria incompetência. É importante destacar que todas as tarefas distribuídas pelo juiz numa audiência de gestão democrática serão cobradas e conferidas na audiência seguinte, sempre designada para realização do follow up ou do acompanhamento do estágio de desenvolvimento do processo e deliberação sobre os novos passos do processo, rumo à solução final mais rápida e econômica.

As audiências de gestão democrática, a permitirem a participação efetiva de todos os agentes do processo, têm o poder de interferir decisivamente na mudança da postura desses agentes em relação ao desenvolvimento do caso. Na medida em que todos conhecem os rumos do processo e conseguem enxergar de forma límpida como é a atuação de cada um dos seus agentes, é natural que as partes abandonem a tradicional postura resistente e passem a ser mais colaborativos com os destinos da demanda. As partes envolvidas, notadamente ex-empregados e parceiros econômicos, deixam de se sentir apenas parte do problema e passam a atuar como parte fundamental na construção da solução.

A fiscalização da conduta de todos os agentes do processo também é favorecida pela gestão democrática. Isso porque, como já visto, todos os envolvidos saberão exatamente como é a atuação de todos os agentes do processo. Assim, não serão apenas o Juiz e o Ministério Público a fiscalizar a conduta de credores, devedores, do administrador judicial e de seus auxiliares. Todos atuarão nessa fiscalização, tendo acesso fácil e rápido ao Magistrado e ao MP nas audiências de gestão democrática.

Durante a audiência de gestão democrática, o juiz, depois de discutir as questões que precisam ser decididas, definirá o rumo do processo e distribuirá as tarefas a serem cumpridas por cada um dos envolvidos no caso. Assim, por exemplo, havendo a necessidade de venda de um ativo da massa falida, depois de discutida a melhor técnica para fazê-lo, o juiz determinará ao administrador judicial que cumpra as diligências de avaliação e venda em determinado prazo. E todos os presentes na audiência de gestão democrática saberão quais são essas tarefas e os prazos para seu cumprimento (providências e prazos aceitos por todos). Assim, é intuitivo supor que as referidas tarefas serão efetivamente cumpridas, na medida em que fiscalizadas amplamente, além de previamente aceitas por todos.

Novamente é importante destacar que são feitas audiências de gestão democrática para acompanhamento de todas as questões decididas e tarefas distribuídas na audiência anterior. Faz-se, conforme o caso, um acompanhamento mensal do cumprimento das metas objetivadas e decididas nas audiências precedentes.

O processo se desenvolve de audiência em audiência, avançando no sentido da solução final, de forma rápida, econômica e irreversível. Induz-se maior participação de todos na condução dos processos de insolvência, em prol da celeridade, transparência e eficiência da prestação jurisdicional.

Conforme já afirmado, repita-se, as partes deixam de se sentir apenas parte do problema e passam a se ver como parte da solução do caso, o que faz com que haja uma sensível mudança de postura diante da condução do feito.

As decisões são construídas em audiência, como resultado da ampla discussão travada entre todos aqueles que tem interesse na solução do caso. Os elementos específicos de cada caso concreto surgirão naturalmente dessa participação efetiva dos agentes do processo, inclusive dos trabalhadores. A decisão construída de forma democrática será amoldada, de forma bastante justa, às necessidades do caso concreto, distribuindo-se as tarefas necessárias ao atingimento das melhores práticas do ponto de vista dos credores e da sociedade em geral.

E o melhor: a aplicação do modelo de gestão democrática de processos é imediata e independe de alteração legislativa. Segundo a legislação de regência, é permitido ao juiz designar audiência para a colheita de informações das partes e demais interessados, sempre que entender necessário para a solução rápida e adequada das questões postas em juízo. Essa forma de gestão de processos é, portanto, a que melhor atende aos princípios constitucionais da eficiência e da duração razoável do processo. Com ela, melhora-se a prestação do serviço jurisdicional sem a necessidade de mudanças legislativas ou de investimentos adicionais na estrutura do Poder Judiciário.

2 Atuação do Administrador Judicial

O Administrador Judicial, em sua atuação como auxiliar do Juízo, deve se manter adstrito ao cumprimento dos objetivos estatuídos pela Lei nº 11.101/2005. Entretanto, inúmeros outros deveres lhe são atribuídos em razão da aplicação de outras fontes do direito, bem como em razão das peculiaridades havidas nos casos concretos, devendo exerce-los integralmente, sob pena do descumprimento de sua função primeira – agir com diligência no auxílio do Juízo durante o procedimento de Recuperação Judicial.

O Administrador Judicial deve ser pessoa idônea e diligente, merecedora da confiança do Juízo que o designou para tal função. Notadamente, o Administrador Judicial deve exercer seu cargo sem dolo ou malícia, fazendo o possível para auxiliar o Juízo na condução e administração do procedimento recuperacional, sempre sem se deixar induzir pelas pressões oriundas de credores, recuperandas e terceiros interessados.

A atuação do Administrador Judicial na Recuperação Judicial deve objetivar o atingimento dos princípios basilares do procedimento recuperacional, que nos dizeres de TZIRULNIK:

“Os princípios fundamentais que nortearam a elaboração da Lei 11.101/2005 incluem a preservação da empresa; a separação dos conceitos de empresários e empresas recuperáveis; a retirada do mercado de empresas ou empresários não recuperáveis; a proteção aos trabalhadores; a redução do custo do crédito no Brasil; a eficiência dos processos judiciais; a segurança jurídica; a participação ativa dos credores; a maximização do valor dos ativos do falido; a desburocratização da recuperação de micro e pequenas empresas; e o rigor na punição de crimes relacionados à falência e a recuperação judicial”. [17]

As empresas que optarem pela tentativa da Recuperação Judicial ou que tiverem a falência decretada estarão sujeitas ao controle jurisdicional, ocasião na qual o Juízo será auxiliado pelo Administrador Judicial que, nos casos de Recuperação Judicial, deve agir como verdadeiro longamanus do Magistrado, personificando um fiscal diligente do cumprimento do plano recuperacional e um auditor detido dos dados e documentos apresentados pelos credores e pelas recuperandas.

Ou seja, o Administrador Judicial exerce o controle daquilo que é oferecido pelas partes da relação processual, checando sua validade, veracidade, constituição e reflexos, antes de levar a informação ao conhecimento do Juízo e dos interessados no processo.

A Lei nº 11.101/2005, em seu art. 22, incisos I e II, descreve de maneira sui generis as atividades do Administrador Judicial, in verbis:

Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:
I – na recuperação judicial e na falência:
a) enviar correspondência aos credores constantes na relação de que trata o inciso III do caput do art. 51, o inciso III do caput do art. 99 ou o inciso II do caput do art. 105 desta Lei, comunicando a data do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência, a natureza, o valor e a classificação dada ao crédito;
b) fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados;
c) dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício, a fim de servirem de fundamento nas habilitações e impugnações de créditos;
d) exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações;
e) elaborar a relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei;
f) consolidar o quadro-geral de credores nos termos do art. 18 desta Lei;
g) requerer ao juiz convocação da assembléia-geral de credores nos casos previstos nesta Lei ou quando entender necessária sua ouvida para a tomada de decisões;
h) contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas especializadas para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções;
i) manifestar-se nos casos previstos nesta Lei;
II – na recuperação judicial:
a) fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial;
b) requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação;
c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor;
d) apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação, de que trata o inciso III do caput do art. 63 desta Lei;”

Embora possam parecer despiciendas à primeira vista, existem diversas outras atividades, atitudes e diligências que efetivamente têm que ser levadas a cabo pelo Administrador Judicial e sua equipe para que se possa alcançar o cumprimento das prescrições dos incisos I e II, do art. 22, da Lei nº 11.101/2005.

Adicionalmente, nos casos em que o Juízo ou o Tribunal decidirem pelo afastamento dos administradores das empresas em processo de Recuperação Judicial, caberá ao Administrador Judicial efetuar a gestão da sociedade enquanto não ocorrer a nomeação de um gestor judicial e até a Assembleia Geral de Credores.

De início, em razão da aplicação do art. 33 da LRF, o Administrador Judicial será intimado para, no prazo de quarenta e oito horas, assinar Termo de Compromisso, comprometendo-se a desempenhar, bem e fielmente, o cargo e assumir as responsabilidades a ele inerentes.

Firmado o termo de compromisso, incumbe ao Administrador Judicial, visando dar cumprimento ao princípio da transparência, atuar com o devido dever de diligência[18], o qual, nos termos do art. 153 da Lei 6.404/1976, significa:

“Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.”

A aplicação desse art. 153 ao caso se dá de forma analógica, visto que a Lei nº 11.101/2005 é silente nesse ponto. Assim a própria prática forense conduziu a interpretação do art. 153 da Lei nº 6.404/1976 como norteadora da atividade do Administrador Judicial.

Portanto, exige-se que o Administrador Judicial aja com o mesmo nível de diligência ordinária que um “homem ativo e probo” costuma empregar nos “próprios negócios”. Isso não significa, a priori, que o Administrador Judicial deva atuar de maneira incisiva, a ponto de adentrar nas competências funcionais dos demais membros da relação processual, mas sim que deva manter o Juízo e os credores constantemente informados das reais condições e circunstâncias observadas no curso do procedimento.

Nesse sentido, CEREZETTI defende que o Administrador Judicial exerce dever fiduciário[19] em favor dos envolvidos, em interpretação análoga ao que dispõe o art. 68, § 1º, “a”, da Lei nº 6.404/1976, o que implicaria novamente na assumpção da dicção do art. 153, também da Lei nº 6.404/1976 como definidor do “dever de diligência” do Administrador Judicial.

A jurisprudência que vem sendo construída acerca da limitação da atuação do Administrador Judicial busca elastecer as suas atribuições quando o cumprimento de seu mister depender disso. Um bom exemplo é a relativização da cláusula de confidencialidade de contratos firmados pelas Recuperandas ante o Administrador Judicial[20]. Ainda assim, existe entendimento diverso – encabeçado por MANDEL – que defende que o AJ não possui poderes para fiscalizar as negociações das recuperandas com acionistas, fornecedores e outros agentes[21].

Nesse ponto, a priori, entende-se que o Administrador Judicial deve possuir poderes para fiscalizar as negociações das Recuperandas quando essas estiverem relacionadas com a condução da Recuperação Judicial, porque é dever do Administrador Judicial verificar a ocorrência de eventuais ilegalidades ou fraudes e de manter o Juízo informado de todos os aspectos, formais e materiais, que possam influir diretamente no processamento da recuperação judicial, na validade do Plano de Recuperação ou da Assembleia Geral de Credores.

O já citado art. 153, da Lei nº.6.404/1976, institui modelo similar ao bonus pater familias, do Direito Romano[22], embora doutrinadores como Luiz Antonio de SAMPAIO CAMPOS entendam que a dicção do referido artigo encontre mais semelhança à figura do business man como consagrado no Direito norte-americano, que guarda pouquíssima similitude ao sistema brasileiro. [23]

Gabriel José de ORLEANS E BRAGANÇA, defende que:

“(…) a função de um Administrador Judicial está em linha ao de um Conselho Fiscal de sociedade, com a diferença de que, em vez de passar informações e resultados dessa fiscalização aos sócios desta e ao mercado, suas atribuições serão relacionadas aos credores, às partes interessadas e ao juiz do processo. Por esse motivo, entendemos a pertinência da analogia mencionada, já que o membro do Conselho Fiscal possui os mesmos deveres dos administradores da sociedade (…)”. [24]

CEREZETTI, na mesma linha, defende que o Administrador Judicial possui deveres fiduciários “em prol do mais adequado desenvolvimento do processo, para o bem de todos os participantes (zum wohl aller beteilignten), servindo à preservação da empresa e aos interesses dos credores”. [25]

Outro dos deveres primordiais do Administrador Judicial está interligado ao dever de fiscalização, o qual, sob o enfoque histórico, consagra a tradição da legislação brasileira.

Sendo assim, incumbe ao Administrador Judicial exercer diligentemente o dever de informação, premissa sine qua non para o regular e transparente desenvolvimento do processo para todos os envolvidos. [26]

Nos dizeres de ORLEANS E BRAGANÇA:

“Desde o antigo comissário na concordada preventiva ao administrador judicial na recuperação judicial, a função desse auxiliar do juízo sempre foi identificada pela atuação fiscalizadora”. [27]

Não incumbe ao Administrador Judicial fiscalizar somente os aspectos formais de um processo de Recuperação Judicial. Ele deve, sobremaneira, fiscalizar as atividades das recuperandas.

O escólio doutrinário de MENDES merece ser repisado pelo seu preciosismo:

“Não somente figurando como fiscal do procedimento jurisdicional, o administrador judicial passou a assumir a função de acompanhar ‘pari passu’ a execução do plano de recuperação judicial em crise, uma vez aprovado pelo Poder Judiciário e credores, bem como realizar os atos de gestão investidos de natureza econômico-financeira e administração em prol da pretendida celeridade do processo falimentar.” [28]

Também incumbe ao Administrador Judicial a verificação de eventual desvio de finalidade ou fraude nas atividades das recuperandas, cabendo ao mesmo noticiar o fato ao Juízo Falimentar. [29]

Embora o Administrador Judicial detenha dever contumaz de fiscalização das atividades das Recuperandas, ele não possui poder gerencial sobre elas. Sendo assim, é necessária atitude proativa do Administrador Judicial e sua equipe que, valendo-se das informações cedidas, requisitem formalmente às recuperandas o fornecimento de dados e documentos, solicitando as providências que forem cabíveis no entendimento do Magistrado da causa.

Neste sentido, FAZZIO JÚNIOR possui escólio dos mais precisos:

“Regra geral, o administrador judicial não tem poderes gerenciais. Isso não significa, entretanto, que sua participação seja meramente passiva. Com efeito, se constatar a ocorrência de fatos prejudiciais ao cumprimento da recuperação, deverá comunica-lo ao órgão judiciário para as providências cabíveis. Trata-se de auxiliar fiscal do juízo, com responsabilidade idêntica à do administrador falimentar, mas com atividade diversa. Pode ser responsabilizado civil e criminalmente se perpetrar atos ilícitos, seja em prejuízo dos credores, seja contra o devedor em recuperação”. [30]

A princípio, embora o Administrador Judicial não possua poderes gerenciais, negociais ou de gestão, a LRF não instituiu nenhum limite ao dever de fiscalização que deve por ele ser exercido, mais uma vez deixando o caminho de conceituação e delimitação de seus poderes sob encargo da Jurisprudência e da Doutrina.

Nos ensinamentos de PURIFICAÇÃO[31], “(…) todas as atividades desempenhadas pelo devedor que estejam relacionadas com as operações da empresa e com o plano de recuperação judicial” fazem parte do escopo fiscalizatório do Administrador Judicial. Na prática, esse posicionamento se demonstra adequado, pois a nomeação de um Administrador Judicial não teria sentido se ele não atuasse como auxiliar do Juízo ou ainda se não detivesse amplos poderes de fiscalização das atividades do devedor.

O Administrador Judicial não necessita solicitar autorização judicial para realização do dever fiscalizatório, podendo comparecer à sede da recuperanda em qualquer momento que julgar ser necessário, tendo livre acesso às filiais, aos livros, aos documentos e a todos os dados relevantes para a Recuperação Judicial. [32]

Na atuação prática, a Administração Judicial encontra, em alguns casos, resistência por parte das Recuperandas e seus gestores, no repasse de informações e documentos, seja por mero desconhecimento dos poderes do Administrador Judicial ou por vontade ilícita de esconder atos fraudulentos e ilegais.

Sendo assim, há que existir necessário vínculo de confiança entre Administrador Judicial e o Juízo, porque aquele deverá levar tais circunstâncias imediatamente ao conhecimento do Magistrado, que poderá determinar as medidas que entender necessárias para concretização do dever fiscalizatório, inclusive com a possibilidade de afastar sócios e gestores da administração da empresa em recuperação.

A comunicação entre o Administrador Judicial e o Magistrado pode ocorrer através de manifestações formais no curso do processo ou verbalmente. Pode, o Administrador Judicial, promover requerimentos específicos ao Juízo, solicitando acesso aos documentos e dados das Recuperandas.

A atitude proativa do Administrador Judicial e sua equipe é fundamental. Em prol da melhor administração do procedimento recuperacional, eles não devem aguardar a provocação do Poder Judiciário para imprimir o cumprimento das diligências instituídas na Lei nº 11.101/2005.

Mais uma vez, ORLEANS E BRAGRANÇA traz escólio doutrinário precioso:

“No Brasil, com efeito, apesar de não haver a administração da empresa recuperanda, diversos atos inerentes ao administrador judicial dizem respeito à administração do processo de recuperação judicial, que depende de sua boa diligência para um maior sucesso entre todos os envolvidos. Vejamos, à título de exemplo, que é o administrador judicial o responsável por presidir a Assembleia-Geral de Credores, cabendo a ele investigar se o credor vota cumprindo as formalidades legais e impedimentos no exercício do voto (LRE, art. 43).” [33]

Sendo assim, o Administrador Judicial atua como fiscal não só da Recuperanda, mas também do próprio desenrolar de todos os aspectos e atos processuais tomados pelo devedor, pelos credores e interessados, devendo o eventual abuso de direito, tão logo seja detectado, ser levado ao conhecimento do Juízo, devidamente acompanhado de pedido de providências.

Naturalmente, caso o Administrador Judicial se depare com uma nulidade evidente em um dos expedientes havidos no curso da Recuperação Judicial, ou localize cometimento de algum ato processual inadequado, a destempo ou eivado de vício de motivação ou consentimento, deverá noticiar tal ato imediatamente ao Juízo, tomando todas as providências que forem necessárias para normalização da ilegalidade verificada.

Incumbe ao Administrador Judicial, também, a função de realizar a organização dos credores, listando-os dentro das categorias estatuídas pela LRE, bem como analisar a higidez, valores e conteúdo de seus créditos, do que resulta que, da análise do Administrador Judicial (art. 7º, § 2º, da Lei 11.101/2005), sairá a definição dos valores dos créditos para elaboração de Edital e para efeitos da votação a ser realizada em Assembleia Geral de Credores.

Até mesmo na impugnação de crédito, quando o credor discordar do valor e da classificação de seu crédito, deverá o Administrador Judicial opinar nos autos, servindo como auxiliar do Juízo na tomada da decisão acerca da impugnação.

Também na fase de análise dos créditos, suas habilitações e impugnações, o Administrador Judicial deve agir com diligência e, em caso de dúvida, solicitar informações e documentos das recuperandas, credores e interessados, dentro do poder de ação que lhe é outorgado pelo art. 22, “d”, da LRE.

Vale destacar que toda falência é provocada, seja a requerimento de algum credor, através de pedido de autofalência ou através da solicitação do Administrador Judicial no curso de Recuperação Judicial. Esta atribuição consiste em outro dever do Administrador Judicial, em decorrência do art. 22, II, “b”, da Lei nº 11.101/2005, e independe da convocação da Assembleia Geral de Credores.[34] O pedido deve estar motivado por descumprimento de obrigação assumida no Plano de Recuperação. Portanto, neste caso, o Administrador Judicial atua como verdadeiro fiscal do cumprimento do Plano de Recuperação.

2.1 Atribuições estabelecidas ao Administrador Judicial pela Lei 11.101/2005

Para que se possa definir com precisão as funções mínimas do Administrador Judicial na Recuperação Judicial, é necessária análise exaustiva do contido no art. 22, da Lei nº 11.101/2005.

As disposições contidas no inciso I, do referido artigo, são comuns à Recuperação Judicial e à Falência.

A alínea a do inciso I, possui a seguinte redação:

“a – enviar correspondência aos credores constantes na relação de que trata o inciso III do caput do art. 51, o inciso III do caput do art. 99 ou o inciso II do caput do art. 105 desta Lei, comunicando a data do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência, a natureza, o valor e a classificação dada ao crédito;”

Tal disposição é de interpretação das mais simples e significa que o Administrador Judicial deve enviar missiva à todos os credores relacionados, após a análise de seus créditos, comunicando a data do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência, a natureza do crédito, o valor que considerou correto, bem como a classificação dada ao crédito (extraconcursal, quirografário, com garantia real, privilegiado trabalhista e privilegiado fiscal).

A disposição contida na alínea b, do mesmo inciso, tem a seguinte redação:

“b – fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados.”

Tal disposição constitui verdadeira obrigação do Administrador Judicial, além daquelas decorrentes da mera exegese castiça da letra da lei.

Isto porque, em razão dessa disposição, o Administrador Judicial deve manter publicidade dos atos havidos durante a recuperação judicial, preferencialmente através de website devidamente publicado nos autos da Recuperação Judicial, bem como da missiva enviada aos credores em razão da aplicação da alínea a, preferencialmente constando também endereço para atendimento físico, telefones para contato e o horário em que o Administrador ou sua equipe estará à disposição para atender os credores interessados.

A alínea c do mesmo inciso possui a seguinte redação:

“c) dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício, a fim de servirem de fundamento nas habilitações e impugnações de créditos;”

Tal disposição importa na obrigação do Administrador Judicial reunir, analisar e fornecer cópias aos credores dos livros (leia-se documentos) da recuperanda, por mais que os próprios credores não possuam tais documentos.

Nestes casos, o Administrador Judicial também é responsável por certificar a inexistência de eventual livro do devedor, requerendo as providências necessárias, seja para recuperar tais documentos, seja para responsabilizar os culpados por seu sumiço/inexistência.

A disposição da alínea d, ainda do mesmo inciso, outorga mais um poder ao Administrador Judicial do que lhe confere uma obrigação, leia-se:

“d) exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações;”

O Administrador Judicial, conforme relatado neste trabalho acadêmico, possui deveres de informação, transparência, publicidade e gestão do processo, além de obrigações de outras naturezas que somente podem ser cumpridas porque ao Administrador Judicial é outorgado o poder de exigir que os credores, devedores e seus administradores forneçam quaisquer informações que se fizerem necessárias no curso da Recuperação Judicial.

Nos casos de recalcitrância daqueles no não fornecimento destas informações, incumbe ao Administrador Judicial requerer ao Juízo da Recuperação Judicial as providências que se fizerem necessárias para solucionar a quaestio.

A disposição da alínea e institui dever objetivo ao Administrador Judicial:

“e) elaborar a relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei;”

Já o § 2º, do art. 7º, possui a seguinte redação:

“Art. 7o A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas.
§ 2o O administrador judicial, com base nas informações e documentos colhidos na forma do caput e do § 1o deste artigo, fará publicar edital contendo a relação de credores no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contado do fim do prazo do § 1o deste artigo, devendo indicar o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas indicadas no art. 8o desta Lei terão acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração dessa relação.”

Sendo assim, além de realizar a relação dos credores a que alude o art. 7º, § 2º, o Administrador Judicial deve dar publicidade aos documentos que fundaram sua decisão, para conferência completa por parte dos credores, ou seja, a decisão do Administrador Judicial ao incluir ou excluir, minorar ou majorar, bem como ao classificar um crédito na Recuperação Judicial, deve se dar de maneira absolutamente fundamentada e em consonância com documentos e com pareceres técnicos, que fundem sua decisão.

A norma inserta na alínea f institui uma das obrigações mais importantes na Administração Judicial de uma Recuperação Judicial ou de uma Falência, que é a realização da consolidação do Quadro Geral de Credores:

“f) consolidar o quadro-geral de credores nos termos do art. 18 desta Lei;”

O quadro geral de credores deve conter a relação de todos os credores da Recuperanda, os valores de seus créditos e a categoria a que fazem parte, nos termos do art. 18, da Lei nº 11.101/2005, que possui a seguinte redação:

“Art. 18. O administrador judicial será responsável pela consolidação do quadro-geral de credores, a ser homologado pelo juiz, com base na relação dos credores a que se refere o art. 7o, § 2o, desta Lei e nas decisões proferidas nas impugnações oferecidas.
Parágrafo único. O quadro-geral, assinado pelo juiz e pelo administrador judicial, mencionará a importância e a classificação de cada crédito na data do requerimento da recuperação judicial ou da decretação da falência, será juntado aos autos e publicado no órgão oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, contado da data da sentença que houver julgado as impugnações.”

Os credores deverão ser separados de acordo com as classes estabelecidas em Lei, a saber: (Classe I) Credores Trabalhistas; (Classe II) Credores com garantia real; (Classe III) Credores Quirografários; (Classe IV) Credores Micro ou Pequenas Empresas.

Após apresentar a relação aludida no art. 7º, § 2º, da referida lei, serão apresentadas as impugnações de crédito por aqueles credores que discordarem dos valores e classificação de seus créditos, bem como daqueles que discordarem da classificação e do valor de crédito relacionado para outro credor.

Somente após o julgamento destas impugnações é que o Administrador Judicial deverá consolidar a relação denominada Quadro Geral de Credores, que será homologada pelo Juízo e devidamente publicada nos órgãos oficiais e em editais.

A providência a que alude a alínea g, do art. 22, I, da Lei nº 11.101/2005 tem a seguinte redação:

“g) requerer ao juiz convocação da assembleia geral de credores nos casos previstos nesta Lei ou quando entender necessária sua ouvida para a tomada de decisões;”

O Administrador Judicial deve ser o organizador, aquele que dá impulso e faz acontecer a Assembleia Geral de Credores, que como já asseverado neste artigo acadêmico, possui poder de decisão soberano nas questões atinentes à aprovação ou não do Plano de Recuperação.

Entretanto, quando a situação dos autos indicar a necessidade de que seja tomada decisão de cunho de aprovação ou desaprovação do plano de recuperação, ou parte dele e, ainda, nos casos em que obrigação acessória do plano de recuperação já aprovado estiver sendo descumprida, incumbe ao Administrador Judicial convocar, tantas vezes quanto forem necessárias, a Assembleia Geral de Credores, para que decidam tais questões.

Tal providência é mais do que necessária, visto que a tomada de decisões, em caráter soberano, incumbe à Assembleia Geral de Credores e, no caso de descumprimento desta disposição, inúmeros atos poderão ser nulos, causando prejuízos à Recuperanda e Credores.

O disposto na alínea h, diz respeito à possibilidade de contratação de profissionais e empresas especializadas:

“h) contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas especializadas para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções;”

A alínea h trata da autorização dada ao Administrador Judicial para que monte equipe para auxilia-lo no exercício da função. Todavia, o que se verifica na prática é que os Magistrados têm determinado a nomeação de empresas especializadas em Administração Judicial, as quais já possuem equipe multidisciplinar formada para o trabalho completo de fiscalização da Recuperação Judicial. Esse ponto será mais detidamente trabalhado em tópico próprio.

A disposição da alínea i é das mais simples de ser compreendida:

“i) manifestar-se nos casos previstos nesta Lei;”

Todas as vezes que o Administrador Judicial deve manifestar-se, seja por determinação do Juízo, seja em decorrência da aplicação da Lei, este deverá fazê-lo, à contento e com extrema atenção, sob pena de não estar dando cumprimento ao objetivo de bem desempenhar sua função de auxiliar do juízo.

O inciso II trata das questões atinentes única e exclusivamente à Recuperação Judicial.

Logo na alínea a consta obrigação importantíssima:

“a) fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial;”

O dever de fiscalização as atividades do devedor e de cumprimento do plano de recuperação judicial possuem tópicos próprios neste trabalho, razão pela qual não serão repisados.

Já o contido na alínea b institui a obrigação de o Administrador Judicial, no cumprimento do disposto na alínea anterior, quando observar o descumprimento do plano de recuperação judicial, requerer seja a Recuperação Judicial convolada em Falência:

“b) requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação;”

Entretanto, tal norma não possui aplicabilidade tão simples como pode sugerir a exegese direta da letra da Lei.

É que, em inúmeros casos, como já vêm sendo admitido pela jurisprudência e pela doutrina, no caso de descumprimento de obrigações menores e auxiliares do plano de recuperação judicial, poderá ser convocada nova Assembleia Geral de Credores, para decidir se deseja manter o plano de recuperação judicial em funcionamento, mesmo tendo ciência daquele descumprimento parcial. Sendo assim, cabe ao Administrador judicial comunicar imediatamente ao Magistrado da causa o descumprimento do Plano, para que esse decida sobre a convolação em falência ou determine a convocação de nova AGC.

O disposto na alínea c é objeto de tópico próprio neste trabalho, mas constitui o dever de mensalmente o Administrador Judicial apresentar relatório mensal das atividades do devedor:

“c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor;”

A disposição contida na alínea d, do inciso II, do art. 22, da Lei nº 11.101/2005, diz respeito à última das diligências do Administrador Judicial da Recuperação Judicial:

“d) apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação, de que trata o inciso III do caput do art. 63 desta Lei;”

Este relatório final também possui tópico próprio neste trabalho, razão pela qual não será, também, repisado neste momento.

2.2 Equipe Multidisciplinar – Alínea h do inciso I, do art. 22, da Lei nº 11.101/2005

Como já asseverado neste artigo, a crise de uma sociedade empresária, ou de um grupo de sociedades, pode ser causada por uma enormidade de fatores.

Importa destacar que incumbe ao Administrador Judicial e sua equipe fiscalizar o cumprimento das leis (tanto no aspecto formal quanto no material), mas também é seu dever zelar pelo sucesso do Plano de Recuperação dentro da legalidade.

Isto inclui a capacidade de saber diagnosticar as razões que conduziram a atividade ao declínio, cujo primeiro passo é “(…) entender as razões do declínio, que podem estar em produtos não competitivos, nos canais de distribuição inadequados, nas estratégias empresariais equivocadas”. [35]

Frente a tudo isso, é essencial que o Administrador Judicial esteja assessorado por equipe multidisciplinar completa e apta a analisar todos os aspectos da atividade empresarial em recuperação, sejam os aspectos financeiros, operacionais ou jurídicos. Sendo assim, como tratam de ramos profissionais completamente distintos, é fundamental que a equipe da Administração Judicial não seja composta por somente um profissional, como era o que ocorria costumeiramente na justiça brasileira.

Há alguns anos, normalmente a Administração Judicial era exercida por um profissional, seja ele advogado, contador ou administrador. Nesses casos, seu trabalho inevitavelmente ficava focado na sua área de especialidade, deixando as demais sem a devida atenção, por simples falta de conhecimento prático.

Todavia, frente a evolução prática da atuação da Administração Judicial e da especialização das equipes de profissionais, verifica-se que a atuação em casos complexos exige o trabalho de vários profissionais atuando em conjunto, proporcionando ao Magistrado e aos credores a fiscalização financeira, operacional e administrativa necessárias, mas também fornecendo o fundamental apoio jurídico ao Juízo, dentro das normas legais.

Destaque-se que os processos de Recuperação Judicial tendem a ser ajuizados a destempo para o fim de resolver a crise financeira que assola a empresa, por isso “é muito difícil que um processo de late turnaround possa ser conduzido fora dos trilhos de procedimentos concursais devido aos fortes elementos de deterioração operacional e financeira que o empreendimento apresenta nessa fase crítica”.[36]

Forte neste aspecto, a equipe de Administração Judicial é o instrumento de condução dos dados relevantes das Recuperandas ao Magistrado e à coletividade de credores, como previsto no art. 22, II, c, da LRF, que institui o dever do Administrador Judicial em realizar Relatório Mensal das Atividades da Recuperanda, que será tratado no tópico a seguir.

Munido das informações repassadas pela Recuperanda e das informações coletadas nas inspeções, visitas e diligências efetuadas, o Administrador Judicial deve analisar tais dados e elaborar relatório mensal, que indique de maneira analítica e de fácil compreensão as informações financeiras da empresa devedora.

Neste ponto, o Relatório Mensal de Atividades serve como verdadeiro medidor do sucesso da recuperação da empresa no curso do processo.

Incumbe, também, à equipe do Administrador Judicial realizar a conferência dos dados repassados pelas recuperandas, principalmente, realizar o trabalho de verificação da não ocorrência de eventuais fraudes, ilegalidades ou informações manipuladas repassadas pelas recuperandas.

Também é atribuição da equipe de Administração Judicial a análise dos créditos. Para isso se faz necessário a utilização de profissionais das mais variadas áreas, de acordo com a atuação empresarial das recuperandas. Normalmente administradores, economistas e contadores fazem a organização, tabulação e análise dos contratos e Notas Fiscais que dizem respeito aos créditos relacionados, podendo verificar com exatidão qual o valor correto de cada crédito. Após essa análise por profissional financeiro capacitado, se faz necessária a verificação por advogado para que se tenha segurança de que aquela contratação que resultou no crédito não ocorreu de forma ilegal ou fraudulenta.

O advogado também é fundamental no apoio jurídico ao Juízo, colaborando com pareceres das mais variadas naturezas. Normalmente o Administrador Judicial é instado a se manifestar a respeito de pedidos de credores e recuperandas no curso dos autos. Para bem colaborar com o Juízo, o Administrador Judicial deve dar seu parecer de forma que o mesmo indique qual é o posicionamento majoritário da doutrina e da jurisprudência sobre cada assunto, indicando o que mais se adequa ao caso em análise.

Portanto, o Administrador Judicial e sua equipe multidisciplinar são responsáveis pela exposição analítica dos dados relevantes da atividade empresária ao Juízo e aos credores.

É o Administrador Judicial que leva ao conhecimento do Magistrado os dados repassados pelas Recuperandas, fazendo com que consista no primeiro filtro na detecção do cumprimento, ou não, do Plano Recuperacional e, também, na identificação e pormenorização analítica de por quais razões o declínio continua a perdurar.

Nesta medida, essa análise deve ser realizada observando todas as informações financeiras e econômicas necessárias para aferir o desempenho do plano recuperacional e deve ser trazida ao processo de maneira analítica, que permita ao Juízo e aos credores compreenderem, mesmo sem serem experts em finanças, as reais condições das empresas em recuperação.

Para tanto, o Administrador Judicial pode se valer de inúmeros expedientes técnicos que auxiliam nos processos de reorganização e reestruturação de atividades procedimentais.

Sobretudo, as informações coletadas pelo Administrador Judicial devem estar organizadas dentro de um sistema de informações gerenciais, exatamente nos moldes que estes dados devem ser apresentados nos melhores parâmetros da Administração de Empresas.

Nos dizeres de OLIVEIRA:

“Sistema de informações é o processo de transformação de dados em informações. E, quando esse processo está voltado para a geração de informações que são necessárias e utilizadas no processo decisório da
empresa, diz-se que esse é um sistema de informações gerenciais”
(OLIVEIRA, 2007, p. 25). [37]

Quando o Administrador Judicial fornece ao Magistrado e aos credores informações completas e precisas, possibilita que todos tenham uma melhor representação da realidade da empresa, permitindo a melhor tomada de decisões, seja na via processual, seja na votação pelos credores em Assembleia Geral de Credores.

Somente assim o Administrador Judicial pode dispor destas informações de maneira completa e sobremaneira, traduzi-las, de maneira compreensível, ao Juízo e aos credores.

Entretanto, uma recuperanda pode possuir inúmeros ramos de atividade, setores, unidades e até mesmo, grupos de trabalho.

Neste sentido, o Administrador Judicial deve possuir acesso às informações setorizadas de cada uma das atividades (ramos) da empresa, por mais que elas possam compartilhar software, dados e pessoas [38].

Para empresas grandes, ou grupos econômicos, pode haver, ainda, a necessidade da intervenção de gerentes de sistema de informação, a quem caberá realizar a unificação das informações advindas dos inúmeros setores, unidades ou áreas de funcionamento da recuperanda, visando a suprir a necessidade de organização das informações recolhidas, assim melhorando a eficiência geral do sistema integrado de informações, o que possibilita o fornecimento da informação certa, no tempo certo, para o destinatário certo[39].

Ocorre que, em inúmeras situações, a crise econômico financeira é oriunda, principalmente, da ausência de organização estrutural, financeira e administrativa das recuperandas (vide tópico perícia prévia).

O quadro ideal, é aquele em que as recuperandas outorguem ao Administrador Judicial as informações obtidas pelas duas vias clássicas de obtenção de informações empresariais: as fontes internas e externas, repassando-o informações verdadeiras e completas, sobre todos os seus ramos de atividade.

Para casos específicos, o Administrador Judicial pode se valer do auxílio de profissionais das mais diversas áreas do conhecimento, para que possa compreender os dados das atividades das recuperandas, ou até mesmo para identificar qual é a causa técnica da atividade que vem sendo geradora da crise econômico-financeira.

Frente a esses fatos, uma equipe de Administração Judicial deverá ser formada por advogados, contadores, auditores, economistas, engenheiros, mediadores, avaliadores e todos os outros profissionais que se fizerem necessários para a boa atuação em casos específicos.

Além disto, o Administrador Judicial deve ter cuidado extremo na escolha de seus colaboradores. Primeiro, para que possa ofertar ao Juízo e aos credores informações prestadas por experts, que contenham conteúdo paradigmático e preciso, que não venha a ser causador de dúvida no Juízo ou credores, bem como não cause danos ao processo de recuperação judicial. Segundo, para ofertar ao Juízo um trabalho realizado por profissionais idôneos, que não estejam dispostos a se submeter à pressões, induções em erro e até mesmo casos de corrupção, o que prejudicaria o desenvolvimento do Plano de Recuperação ou privilegiaria um dos credores em detrimento dos demais.

2.3 Art. 22, II, c, da LRF – Requisitos para um Relatório Mensal de Atividades

O Relatório Mensal de Atividades a que alude o art. 22, II, c, da LRF, deve conter todos os dados necessários para que o Magistrado, credores e interessados possam conhecer, de maneira analítica, as atividades do devedor, como já asseverado

Embora o dever de apresentação do relatório mensal de atividades completo esteja previsto na Lei nº 11.101/2005, este é um dos deveres que menos são observados no curso da Recuperação Judicial, prejudicando o atingimento dos objetivos da lei.

Porque este é um dos deveres do Administrador Judicial, seu descumprimento, “dentro da periodicidade exigida em relação ao conteúdo necessário”[40] deve importar, necessariamente, em sua destituição.

CEZERETTI defende que esta atuação do Administrador Judicial na confecção do Relatório Mensal de Atividades não beneficia apenas os credores, mas contribui de forma inegável ao bom andamento da recuperação judicial:

“No que tange ao outro órgão que desempenha funções fiscalizatórias ao longo da recuperação judicial, cumpre ressaltar, conforme feito acima, que a atuação do administrador judicial não beneficia apenas os credores, mas o bom andamento do processo e todos os demais interessados no sucesso do devedor. As informações por ele angariadas e propagadas por meio dos relatórios que deve apresentar em juízo, permitem que um amplo rol de agentes fique ciente das condições do devedor (…)”. [41]

Novamente, a disposição legal é lacônica e não define com precisão qual a extensão do comando legal. Entretanto, a prática da Administração Judicial nos casos de Recuperação Judicial tem demonstrado a necessidade de que os Relatórios Mensais de Atividades sejam verdadeiros termômetros de todos os aspectos mercadológicos e administrativos das recuperandas que devam chegar ao conhecimento do Magistrado e dos credores.

Luis Augusto GUERRA, acompanhado de boa parte da doutrina falimentar, visando suprimir esta lacuna, apresenta o conteúdo que deve constar no RMA através de rol taxativo.[42] Em adesão e complementando à lição de GUERRA, o RMA deve conter: (i) todos os negócios realizados no período analisado, se necessário for, separados e aglomerados em ramos de atividade das recuperandas; (ii) a descrição completa da venda de bens dos ativos permanente e circulante; (iii) o faturamento bruto obtido no período analisado; (iv) o fluxo de caixa do período analisado; (v) o volume do capital de giro dentro do período analisado; (vi) o relatório dos resultados obtidos com a redução de custos operacionais; e (vii) de forma analítica, o faturamento líquido, lucros, dividendos, e similares, bem como eventual prejuízo apurado no período analisado.

Afora do conteúdo essencial e necessário, em decorrência do dever de fiscalização e vigilância detido pelo Administrador Judicial, deve ele exprimir de maneira completa no Relatório Mensal de Atividades a detecção de qualquer inconsistência[43], irregularidade, evidência de fraude, simulação ou conluio com credores, pois qualquer uma destas situações pode comprometer o atingimento da recuperação financeira em detrimento dos credores, ou estar interligada à validade formal, legal e de conteúdo do Plano de Recuperação e de seu desenrolar processual, de interesse do Juízo Recuperacional, dos credores ou de terceiros interessados.

O rol de itens que devem constar na elaboração do Relatório Mensal de Atividades, confirma que o Administrador Judicial deve se valer de equipe multidisciplinar em sua confecção (vide tópico anterior).

O primeiro dos requisitos para elaboração de um Relatório Mensal de Atividades está ligado à necessidade de conferência detida da documentação apresentada pela recuperanda, para que se possa verificar a veracidade da mesma e, também, se a documentação foi apresentada em sua integralidade.

Neste sentido, assim a Doutrina mais recente leciona:

“(…) não faz sentido que o administrador judicial, no exercício de suas funções fiscalizadoras, limite-se a colher os dados que lhe são fornecidos pela empresa e os repasse ao processo para conhecimento do juiz e dos credores. Deve o administrador judicial elaborar o seu relatório, conferindo os dados que foram fornecidos pela empresa devedora. O administrador judicial deve exercer função análoga a de auditor, na medida em que deverá conferir a base dos dados informados pela devedora, cotejando os dados com a realidade de atuação da empresa.” [44]

Depois, deve o Administrador Judicial realizar análise dos aspectos de validade, formal e material, que devem estar presentes na documentação apresentada.

Esta etapa depende de verificação criteriosa das informações e documentos prestados pela recuperanda, para conferir sua veracidade.

Após detida análise da validade da documentação apresentada, bem como da averiguação sobre aspectos que podem demonstrar a existência de qualquer tipo de fraude, conluio, desvio, ou ato ilegal perpetrado pelos administradores da recuperanda e/ou credores, o Administrador Judicial deve efetuar análise e solicitar os eventuais documentos ou diligências faltantes, ou seja, aqueles que deveriam ter sido apresentados pela Recuperanda e não o foram no curso do mês retratado no Relatório Mensal de Atividades.

Ademais, o Relatório Mensal de Atividades deve conter as especificidades atinentes à cada tipo de atividade em Recuperação, isto significa que o Relatório Mensal de Atividades deve, também, se debruçar sobre os aspectos mais relevantes para o tipo de atividade mercantil ou de prestação de serviços que se encontre em crise financeira.

2.4 Mediação entre Credores e Recuperandas

Outra das providências que deve ser tomada pelo Administrador Judicial no curso de uma Recuperação Judicial está interligada à mediação entre Credores e Recuperandas.

A primeira dificuldade encontrada nesta função está relacionada à falta de conhecimento, em muitos casos, dos credores, a respeito do processo de Recuperação Judicial. Inicialmente, cumpre ao Administrador Judicial atender todos os credores interessados, explicando-lhes as providências judiciais que serão tomadas, dentro da Lei, com a finalidade de recuperar a empresa.

O Administrador Judicial também prestará informações a respeito do andamento e administração da empresa, repassando essas questões aos credores, de maneira sucinta e fácil de ser compreendida. Quando esse trabalho é realizado a contento, uma enormidade de lides desnecessárias de cobrança, execuções (e os inúmeros incidentes e recursos daí havidos), são evitadas, importando em benefício para os credores, recuperandas e até mesmo para a coletividade, porque tal condição auxilia o Poder Judiciário, conferindo maior efetividade e celeridade à prestação da tutela jurisdicional.

Isso ocorre principalmente quando o Administrador Judicial é diligente na análise das divergências apresentadas aos créditos da Recuperação Judicial e realiza a verificação documental e jurídica de cada crédito, relacionando-os dentro da mais estrita legalidade.

A verificação dos créditos e julgamento administrativo das divergências é ponto chave do processo de Recuperação, uma vez que, caso não seja feito com o devido cuidado e critério, poderá resultar em erros no valor dos créditos, nulidade da assembleia ou grande quantidade de impugnação judiciais. O Administrador Judicial, dentro de seu papel de auxiliar do Juízo, tem a obrigação de evitar impugnações judiciais, efetuando cuidadosa análise administrativa das divergências.

Além disso, o atingimento de um menor número de processos de impugnação, recursos e incidentes, importa necessariamente em menos gastos para a recuperanda, cooperando com o bom deslinde do processo, deixando também de sobrecarregar o Poder Judiciário com processos desnecessários.

Uma Recuperação Judicial, por si só, é um processo com grande grau de litigiosidade entre os envolvidos, onde muitas vezes os ânimos estão exaltados, prejudicando o necessário ambiente negocial para a resolução do conflito. Frente a isso, compete ao Administrador Judicial manter postura conciliatória entre credores e devedor.

Quando possível, a Administração Judicial pode buscar entendimento conciliador entre as partes para chegar ao julgamento administrativo da divergência dos créditos. Esse procedimento simples, mas trabalhoso, faz com que o procedimento recuperacional tenha muito menos incidentes, resultando em expressiva diminuição nas impugnações judiciais.

Nesta senda, o Administrador Judicial deve possuir isenção, sem buscar atuar em favor nem de eventual credor e nem em favor da recuperanda, cumprindo apenas o papel de repassar ao juízo as informações da melhor forma que possa representar a realidade do período ou fato apurados, requerendo o que entender de direito, sempre objetivando o bom deslinde da recuperação judicial em obediência aos princípios norteadores do instituto.

2.5 Término da atuação do Administrador Judicial na Recuperação Judicial – O relatório do inciso III, do caput do art. 63, da Lei nº 11.101/2005.

Além do relatório mensal de atividades, o Administrador Judicial deverá apresentar outro relatório nos autos da Recuperação Judicial, em quinze dias após o encerramento da recuperação judicial, em decorrência da disposição do inciso III, do caput do art. 63, da Lei nº 11.101/2005.

ORLEANS E BRAGANÇA o define com precisão:

“Esse relatório é o último ato do administrador judicial, no caso de cumprimento do plano de recuperação judicial, e fundamentará a sentença de encerramento da recuperação judicial”. [45]

Por questões gramaticais, poder-se-ia perquirir que o relatório deveria ser apresentado após o encerramento da Recuperação Judicial. Entretanto, com interpretação lógica do disposto na lei, a exegese mais correta e de acordo com os demais princípios do procedimento recuperacional, é no sentido de que este relatório deve preceder a decisão de encerramento da Recuperação Judicial ou convolação em falência, em lição de MAMEDE[46] corroborada por Gabriel de ORLEANS E BRAGANÇA.

CONCLUSÃO

Frente ao contido no presente estudo, conclui-se que os agentes dos procedimentos recuperacionais devem, devidamente orientados pela jurisprudência, cumprir os ditames estabelecidos pela Lei 11.101/2005.

Dessa forma, foram apresentadas medidas para facilitar a atuação de Magistrados nos processos de Recuperação Judicial, principalmente ao tratar de pontos relevantes ao deslinde do caso e ao bom andamento do feito, tais como: a perícia prévia; o controle de legalidade do plano; as audiências de gestão democrática; e a gestão de processos, entre outras medidas.

Para a Administração Judicial e sua equipe multidisciplinar se mostrou fundamental o posicionamento rigoroso de auxílio ao Juízo, assim como o de acompanhar com proximidade as medidas empregadas pela empresa para sua recuperação, trazendo isso ao conhecimento do Juízo, dos credores e dos interessados no processo, de forma simples e de fácil compreensão.

Sendo assim, com os cuidados aqui relacionados, certamente os processos de Recuperação Judicial terão andamento muito mais eficaz e possibilitarão maior sucessos no reerguimento da empresa e na manutenção de sua função social.


[1] Consulte detalhes sobre o processo de nomeação dos peritos para realização da perícia prévia em artigo de minha autoria (Daniel Carnio Costa) publicado na coluna do Migalhas, Insolvência em Foco, sob o título “A perícia prévia em recuperação judicial de empresas – fundamentos e aplicação prática (https://www.migalhas.com.br/InsolvenciaemFoco/121,MI277594,41046)

[2] MUNHOZ, Eduardo Secchi, Anotações sobre os limites do poder jurisdicional da apreciação do plano de recuperação judicial, in Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, ano 10, vol. 36, abril/junho de 2007, p. 187.

[3] LOBO, Jorge, Comentários aos art. 35 a 69, in TOLEDO, Paulo F.C. Salles de; ABRÃO, Carlos h. (coords.), Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, 5ª edição, São Paulo, Saraiva, 2012, comentário ao art. 47, p. 170.

[4] LOBO, Jorge, Comentários aos art. 35 a 69, in TOLEDO, Paulo F.C. Salles de; ABRÃO, Carlos h. (coords.), Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, 5ª edição, São Paulo, Saraiva, 2012, comentário ao art. 47, p. 171-172.

[5] CAMPINHO, Sérgio, Falência e Recuperação de Empresa: O Novo Regime da Insolvência Empresarial, 7ª Edição, Rio de Janeiro, Renovar, 2015, p. 12-13.

[6] STJ, Recurso Especial nº 1.314.209/SP, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/05/2012, publicado em 01/06/2012.

[7] https://www.migalhas.com.br/InsolvenciaemFoco/121,MI267199,41046O+criterio+tetrafasico+de+controle+judicial+do+plano+de+recuperacao

[8] https://www.migalhas.com.br/InsolvenciaemFoco/121,MI267199,41046O+criterio+tetrafasico+de+controle+judicial+do+plano+de+recuperacao

[9]

[10] http://www.cmsa.org/Home/CMSA/WhatisaCaseManager/tabid/224/Default.aspx

[11] Conforme definição trazida pelo site uslegal, case management in legal terms refers to the schedule of proceedings involved in a matter. There are various stages in litigation, such as the filing of a complaint, answers, the discovery process (interrogatories, subpoenae, depostions, etc.), and motions that occur before a trial is held or a decision is rendered. Each stage of the process has a scheduled timeframe in which it must be filed with the court or completed. When a complaint is filed and a case is assigned to a judge, the judge will often set forth a schedule for the submission or completion of the relevant pleadings, court appearances, and other matters. For example, in a divorce matter, the judge will attempt to narrow the issues involved in the case, provide deadlines for filing schedules of assets, conducting discovery, filing of proposed visitation and custody plans, and other related matters. Depending on the jurisdiction, a case management questionaire may need to be filled out. The judge may also decide to send the parties to arbitration or mediation to settle disputed matters. The conduct of the case management conference varies by jurisdiction, so local court rules should be consulted. A Case management Conference (CMC) is part of the court procedure. It is a meeting between the judge and the parties (the Plaintiff and the Defendant). The lawyers representing the parties may also appear at the conference. A case management conference usually happens after a plaintiff begins a law suit, but before the trial. The meeting is not a trial and as such witnesses don’t need to be present. The main purpose of the meeting is to try settling some or all of the issues in dispute before going to trial. If no settlement is achieved at the CMC, the matter will proceed to trial. (http://definitions.uslegal.com/c/case-management-conference/ )

[12] De acordo com 11 U.S. Code § 105 – Power of the Court.
(a) The court may issue any order, process, or judgment that is necessary or appropriate to carry out the provisions of this title. No provision of this title providing for the raising of an issue by a party in interest shall be construed to preclude the court from, sua sponte, taking any action or making any determination necessary or appropriate to enforce or implement court orders or rules, or to prevent an abuse of process.
(b) Notwithstanding subsection (a) of this section, a court may not appoint a receiver in a case under this title.
(c) The ability of any district judge or other officer or employee of a district court to exercise any of the authority or responsibilities conferred upon the court under this title shall be determined by reference to the provisions relating to such judge, officer, or employee set forth in title 28. This subsection shall not be interpreted to exclude bankruptcy judges and other officers or employees appointed pursuant to chapter 6 of title 28 from its operation.
(d) The court, on its own motion or on the request of a party in interest—
(1) shall hold such status conferences as are necessary to further the expeditious and economical resolution of the case; and
(2) unless inconsistent with another provision of this title or with applicable Federal Rules of Bankruptcy Procedure, may issue an order at any such conference prescribing such limitations and conditions as the court deems appropriate to ensure that the case is handled expeditiously and economically, including an order that—
(A) sets the date by which the trustee must assume or reject an executory contract or unexpired lease; or
(B) in a case under chapter 11 of this title—
(i) sets a date by which the debtor, or trustee if one has been appointed, shall file a disclosure statement and plan;
(ii) sets a date by which the debtor, or trustee if one has been appointed, shall solicit acceptances of a plan;
(iii) sets the date by which a party in interest other than a debtor may file a plan;
(iv) sets a date by which a proponent of a plan, other than the debtor, shall solicit acceptances of such plan;
(v) fixes the scope and format of the notice to be provided regarding the hearing on approval of the disclosure statement; or
(vi) provides that the hearing on approval of the disclosure statement may be combined with the hearing on confirmation of the plan.

[13] Conforme explicado na reportagem realizada pelo jornal O Valor Econômico: Magistrado Inova em Recuperação Judicial. Dez. 2014.

[14] LRF, art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de preferência: I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco; II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente; III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; IV – alienação dos bens individualmente considerados. § 1o Se convier à realização do ativo, ou em razão de oportunidade, podem ser adotadas mais de uma forma de alienação. § 2o A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-geral de credores. § 3o A alienação da empresa terá por objeto o conjunto de determinados bens necessários à operação rentável da unidade de produção, que poderá compreender a transferência de contratos específicos. § 4o Nas transmissões de bens alienados na forma deste artigo que dependam de registro público, a este servirá como título aquisitivo suficiente o mandado judicial respectivo.

[15] CF/88, art. 5o, inc. LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

[16] CF/88, art. 37, “caput”. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[17] TZIRULNIK, Luiz. Recuperação de empresas e falências: perguntas e respostas. 5ª ed. rev., atual. e ampl. Da obra Falências e Condordatas: perguntas e respostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. P.31.

[18] ORLEANS E BRAGANÇA, Gabriel de. Administrador Judicial: Transparência no processo de recuperação judicial. São Paulo, Quartier Latin; 2017, p. 120-121.

[19] CEREZETTI, Sheila. A recuperação judicial de sociedade por ações: o princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. P. 424.

[20] TJ-SP – AI: 21791120720148160000 SP 2179112-07.2014.8.26.000, Relator: Helio Faria, Data de Julgamento: 25.05.2015, 18ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03.06.2015.

[21] MANDEL, Júlio Kahan. Nova lei de falências e recuperação de empresas anotada: lei 11.101, de 09.02.2005. São Paulo: Saraiva, 2005. P.51-52.

[22] Idem.

[23] CAMPOS, Luiz Antonio de Sampaio. Deveres e responsabilidade. In: PEDREIRA, José Luiz Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo (coord.). Direito das companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v.1. p.1.100.

[24] ORLEANS E BRAGANÇA, Gabriel de. Administrador Judicial: Transparência no processo de recuperação judicial. São Paulo, Quartier Latin; 2017, p. 122.

[25] CEREZETTI, Sheila. A recuperação judicial de sociedade por ações: o princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. P. 424.

[26] COSTA, Daniel Carnio. Administrador Judicial moderno. Artigo publicado no jornal Valor Econômico do dia 06/06/2017, caderno Legislação & Tributos.

[27] ORLEANS E BRAGANÇA, Gabriel de. Administrador Judicial: Transparência no processo de recuperação judicial. São Paulo, Quartier Latin; 2017, p. 122-123.

[28] MENDES, Bernardo Bicalho de Alvarenga. A importância do administrador judicial como órgão auxiliar ao juízo falimentar na busca da eficácia dos processos falimentares e de recuperação judicial de empresas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. V. 49, nº 155-156, p. 263-268, ago.dez., 2010. P. 263.

[29] ORLEANS E BRAGANÇA, Gabriel de. Administrador Judicial: Transparência no processo de recuperação judicial. São Paulo, Quartier Latin; 2017, p. 124.

[30] FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Lei de falência e recuperação de empresas. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. P. 173.

[31] PURIFICAÇÃO, Carlos Alberto da. Recuperação de empresas e falência comentada. São Paulo: Atlas, 2011. P. 73.

[32] GIASANTE, Gilberto. Um ensaio prático sobre a recuperação judicial especial> a visão do advogado e do administrador judicial. In: LUCCA, Newton de; DOMINGUES, Alessandra de Azeredo (Coords.). Direito recuperacional: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Quartier Latin, 2009. P.312.

[33] ORLEANS E BRAGANÇA, Gabriel de. Administrador Judicial: Transparência no processo de recuperação judicial. São Paulo, Quartier Latin; 2017, p. 142.

[34] ORLEANS E BRAGANÇA, Gabriel de. Administrador Judicial: Transparência no processo de recuperação judicial. São Paulo, Quartier Latin; 2017, p. 134.

[35] 35Reestruturação de empresas: como recuperar e reerguer negócios / Salvatore Milanese [et al.]. 1. Ed. – São Paulo: Matrix, 2016. P. 13.

[36] Reestruturação de empresas: como recuperar e reerguer negócios / Salvatore Milanese [et al.]. 1. Ed. – São Paulo: Matrix, 2016. P. 14

[37] OLIVEIRA, D. P. R. da. Organização e Métodos. São Paulo, Atlas, 2007. P. 25.

[38] BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação. São Paulo, Atlas, 2004.

[39] CARVALHO, Fábio Câmara de Araújo. Gestão do conhecimento. São Paulo: Pearson, 2012.

[40] VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência/lei 11.101/2005: artigo por artigo. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.171.

[41] CEREZETTI, Sheila. A recuperação judicial de sociedade por ações: o princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. P. 424.

[42] GUERRA, Luis Antonio. Falências e recuperação de empresas: crise econômico-financeira. Brasília: Guerra Editora, 2011. V.3. p. 501-502.

[43] BONIOLO, Eduardo. Perícias em falência e recuperação judicial. São Paulo: Trevisan Editora, 2015, p. 73.

[44] COSTA, Daniel Carnio. Administrador Judicial moderno. Artigo publicado no jornal Valor Econômico do dia 06/06/2017, caderno Legislação & Tributos”.

[45] ORLEANS E BRAGANÇA, Gabriel de. Administrador Judicial: Transparência no processo de recuperação judicial. São Paulo, Quartier Latin; 2017, p. 139.

[46] MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2012. V. 4, p.64.